O que os dados contam sobre o histórico dos descontos do INSS - e das arrecadações suspeitas
Por Franklin Weise / O ESTADÃO DE SP
O que os dados revelam sobre o histórico dos descontos do INSS - e das arrecadações suspeitas Os descontos não autorizados de aposentados por entidades que supostamente deveriam defendê-los certamente é um dos grandes escândalos da década - e é possível entender a cronologia de boa parte disso apenas com os dados disponibilizados no Portal da Transparência, que detalham as diversas fases e atores.
A série histórica disponibilizada começa em 2014. Naquele ano, 12 entidades estavam credenciadas via acordo de cooperação técnica com o INSS: Juntas, elas arrecadavam cerca de R$ 50 milhões/mês (valores atualizados pelo índice de inflação IPCA em abril deste ano). Em 2015 e 2016, a situação permaneceu inalterada: mesmo número de entidades, mesmo total arrecadado. No entanto, em 2017 e 2018, houve a adição de seis novas associações: Abpap, Riaam, Sindiapi, Sintraapi, FITF e Aapen – resultando em aumento notável dos descontos, que chegariam a mais de R$ 90 milhões em abril de 2019.
Nesse ponto, aconteceu algo interessante - e inédito - na série: o desligamento de algumas entidades. Abpap, Abrapps, Centrape e Aapen desapareceram das planilhas de repasses do INSS, pois foram descredenciadas devido a irregularidades. Curiosamente, logo depois, no mesmo ano, surgiram duas novas beneficiárias de repasses do INSS: a Conafer e a Unibapprev, inicialmente com valores bem baixos.
De qualquer maneira, o total de repasses mensais caiu para o nível anterior - vejam a notável consistência se considerarmos apenas a arrecadação dessas entidades (sem as que foram desligadas por irregularidades). No entanto, já em 2020, as recém-autorizadas Conafer e Unibabprev estavam fazendo descontos milionários. Em 2021, entrou em cena a Aapb e, no ano seguinte, surgiram Ambec, Amar Brasil, Caap Brasil, Unaspub, Universo, AP Brasil, Sinab, Cinaap e – pasmem! – a Abrapps, que havia sido descredenciada em maio de 2019.
Com isso, o total descontado no final de 2022 só por estas entidades novas já passava de R$ 30 milhões por mês, e chegaria a mais de R$ 130 milhões em 2025 (lembrando que elas partiram do zero). Em 2023, foi a vez de Cebap, Cbpabr, Acolher, Abenprev e Asabasp começarem a arrecadar – e também a Aapen/Appn, que fora descredenciada em 2019 (!).
E, por fim, em 2024, houve a adição de Masterprev, Unabrasil, Abapen, Anddap, Aasap, Assomasp, Asbrapi, AAB e Aaspa às entidades com convênio com o INSS para descontar a chamada taxa associativa dos aposentados.
Algo notável é o quão rápido as contribuições mensais aumentaram: em várias, do zero para milhões de reais de um mês para outro (Aapen e Aasap com R$ 6 milhões de contribuições já no primeiro mês e a Anddap, incríveis R$ 10 milhões no mês inicial). Isto definitivamente não tem cara de crescimento orgânico de número de associados.
Sobre as entidades credenciadas após 2020, a CGU acaba de publicar um relatório com as datas nas quais elas tiveram seu acordo de cooperação técnica com o INSS firmado e publicado no Diário Oficial, bem como o respectivo início de descontos, o que dá uma boa visão geral da linha do tempo nos últimos 5 anos: Mas o que ocorreu com aquelas entidades antigas, que já existiam bem antes do crescimento explosivo de entidades recém-credenciadas? Quase todas tiveram notável incremento em anos recentes também. Exceções: Contag, Contraf, FITF, Sintraapi e Sintapi.
Assim, temos um cenário que, há uma década, contava com apenas 12 entidades associativas de aposentados e culminou com incríveis 37 entidades no início de 2025 – uma megaestrutura que arrecadava R$ 300 milhões por mês, seis vezes mais do que há 5 anos.
E, dentre as 37, apenas 5 não apresentaram crescimento anômalo em anos recentes – o que evidencia que as táticas agressivas para aumento do número de associados eram a regra, não a exceção. Infelizmente, nem todas as 32 entidades suspeitas tiveram seus bens congelados e/ou foram anunciadas publicamente como objeto de investigação.
A despeito de todas as contribuições estarem interrompidas desde maio último, já há pressões para a retomada das cobranças. Considerando que o sistema estava tão amplamente corroído, a sociedade precisa estar extremamente atenta para que, numa eventual retomada dos descontos, não ocorra o que houve no passado: entidades descredenciadas que voltariam a atuar de forma igual ou pior.
Nota: muitos acabam relacionando este escândalo ao dos empréstimos consignados para aposentados. Apesar de serem correlatos, por envolverem as mesmas vítimas e, às vezes, os mesmos atores, são temas distintos.