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Pressão descarada

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

Declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que questionam a manutenção dos juros básicos da economia em 15% ao ano, contrastam fortemente com as advertências feitas pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) na ata da reunião que optou por manter a Selic naquele patamar. É como se os responsáveis pelas políticas fiscal (Haddad) e monetária (BC) habitassem mundos diferentes. E não há discurso que convença que o alinhamento, essencial ao equilíbrio macroeconômico, tenha alguma chance de ocorrer neste governo.

 

Na ata, os diretores do BC enfatizaram, mais de uma vez, que há unanimidade no colegiado acerca das preocupações sobre o momento econômico atual, que torna imprevisível o comportamento da inflação. Ali está escrito que o Copom “inicia um novo estágio” para avaliar o comportamento da inflação sob o nível atual de juros “por período bastante prolongado”. Mal a ata foi divulgada, Haddad já declarava ser “injustificável” a decisão.

Como de hábito, o ministro da Fazenda tentou poupar o presidente do BC, Gabriel Galípolo, nomeado para o cargo por Lula, ao dizer que ele está administrando uma crise criada pelo antecessor, Roberto Campos Neto, nomeado no governo de Jair Bolsonaro. Ora, Galípolo está no cargo desde janeiro passado, e a reunião deste mês do Copom foi a sexta sob sua presidência. Portanto, ofende a inteligência alheia atribuir o cenário atual a Campos Neto, tratado pelos petistas como o Belzebu em pessoa.

 

Em entrevista ao portal ICL Notícias, Haddad disse que a transição de Campos Neto para Galípolo foi “muito complexa” e que chegará o momento em que Galípolo “vai juntar a diretoria (do BC) e tomar a decisão (de reduzir os juros)”. Presume-se que esse “momento” citado por Haddad seja a campanha do ano que vem, quando Lula disputará a reeleição.

 

Haddad declarou que Galípolo “herdou um problema”. De fato, herdou um problemão: a política do governo Lula de estímulo ao consumo e ao crédito e seu desleixo fiscal. Não por acaso, a ata do Copom destaca o impacto que “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública” têm sobre os juros. O documento ressalta também que há no BC “a firme convicção de que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas”.

 

Ademais, ao dizer que Galípolo irá “juntar a diretoria” para reduzir os juros, Haddad faz crer num Copom sob regime absolutista. As decisões, como se sabe, são tomadas pelo colegiado, com os nove votantes tendo o mesmo peso deliberativo. E, ressalte-se, sob a presidência de Galípolo, até agora todas foram unânimes e embasadas tecnicamente.

 

Não se trata de defender a manutenção ou não do patamar de juros, ora nas alturas. Trata-se, isso sim, de perseguir a meta de inflação de 3% ao ano, que é o objetivo da política monetária. Por certo a aproximação do ano eleitoral de 2026 reserva um aumento descomunal da pressão do governo sobre o BC. Manter a autonomia operacional será o maior desafio do banco.

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