Mais um drible no Orçamento
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
De exceção em exceção, o Orçamento federal, que deveria funcionar como o mais importante instrumento no planejamento das prioridades do País, se transforma em peça inútil, com tantos desvios que fica quase impossível conferir o real impacto das saídas de dinheiro dos cofres públicos. No mais recente deles, R$ 9,5 bilhões deixarão de ser contabilizados no cálculo das metas fiscais de 2025 e de 2026. Trata-se de créditos extraordinários e renúncias fiscais que integram o pacote de R$ 30 bilhões para mitigar danos do tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
A aprovação do projeto por unanimidade na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado indica que a votação em plenário, para onde seguiu em regime de urgência, seguirá sem percalços. E assim se abre mais uma exceção num Orçamento que, ao ser apresentado ao Congresso, há cerca de um mês, já permitia descontar R$ 57,8 bilhões em despesas que não entrarão no cálculo fiscal, como uma parcela dos precatórios, com o aval do Supremo Tribunal Federal.
A afronta às regras orçamentárias não é de hoje. O governo de Jair Bolsonaro, por exemplo, chegou a 2022 na iminência de apagão administrativo por falta de recursos e furou o teto de gastos (regime fiscal substituído pelo arcabouço do governo Lula) em R$ 794,9 bilhões durante o seu mandato, como apontou levantamento do economista Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre, feito no final daquele ano a pedido da rede BBC. Os gastos fora da planilha incluíam medidas de enfrentamento à pandemia, mas também uma farra de benefícios que visavam a angariar apoio eleitoral, como o aumento de 50% do Auxílio Brasil, que passou a pagar R$ 600 mensais a mais de 20 milhões de famílias.
A PEC da Transição, uma proposta da equipe de Lula aprovada ainda antes de sua posse, permitiu ao novo governo abrir uma claraboia de R$ 145 bilhões no teto de gastos em 2023 para bancar também políticas públicas como o Auxílio Brasil, que voltou a se chamar Bolsa Família, mas manteve o valor. Neste mês, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, o benefício médio ficou em R$ 682,22.
O arcabouço fiscal, com regras mais facilitadas do que as do teto de gastos – com aumento das despesas condicionado ao crescimento da arrecadação, e não mais à inflação –, é contínua e descaradamente lesado, ora com mudança de metas, ora com previsões de receitas orçamentárias que não se confirmam, ou, como é ainda mais comum, com a retirada de despesas do cálculo, geralmente sob a justificativa de sua excepcionalidade. O leque de “emergências” é amplo e abriga eventos climáticos, investimentos de estatais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pagamentos de precatórios e pacote de ajuda aos exportadores.
O PLP 168/25, aprovado na CAE do Senado, prevê crédito extra às companhias que aderiram ao Reintegra, programa que oferece redução de tributos como incentivo às exportações, exclui da meta fiscal créditos extraordinários e renúncias fiscais para combater o tarifaço de Trump e abre brechas para mais gastos ou renúncias fiscais à margem do resultado primário do governo. Além disso, autoriza a União a aumentar suas participações no Fundo Garantidor de Operações (em até R$ 1 bilhão), no Fundo Garantidor de Operações de Crédito Exterior (até R$ 1,5 bilhão) e no Fundo Garantidor para Investimentos (R$ 2 bilhões), aportes que irão financiar o apoio a exportadores. Não há argumento que justifique manter essas despesas e renúncias fiscais fora das metas do resultado primário, como prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal, em sua visão mais básica: tem de haver receita para compensar novas despesas.
As consequências de gastos públicos acima da arrecadação são amplamente conhecidas. Para evitar o prejuízo certo, que chega na forma de aumento de déficit, de endividamento e, no limite, da incapacidade do governo de arcar com as despesas mais corriqueiras, existe a meta fiscal, que visa a equilibrar receitas e despesas. Mas o governo e o Congresso tratam a meta como peça de decoração.