A matemática difícil do governo Lula para fechar as contas
Por Manoel Ventura — Brasília / O GLOBO
O governo apresenta na próxima terça-feira as linhas gerais do Orçamento de 2026 com dados que vão soar contraditórios: mesmo após um aumento de receita registrado nos últimos anos, a proposta deve apontar a necessidade de alta de arrecadação para fechar as contas no último ano do mandato de Lula.
Por obrigação legal, a chamada Lei de Diretrizes Orçamentárias será enviada ao Congresso no dia 15 com a meta de superávit de 0,25% do PIB — ou seja, as contas no azul em cerca de R$ 30 bilhões.
Mas, para alcançar isso, vai ficar clara a necessidade de aumentar a arrecadação, porque não há um plano efetivo de corte de gastos por parte do Executivo. O cenário agora, porém, tem algumas diferenças importantes em relação ao começo do mandato de Lula, quando o ministro Fernando Haddad iniciou a estratégia de recomposição de receitas.
O peso dos impostos federais sobre o PIB já foi de 21,4% no ano passado, de acordo com dados do Tesouro Nacional, o maior da série histórica iniciada em 2010. Foi uma alta influenciada por projetos que Haddad conseguiu aprovar, especialmente para fechar brechas de arrecadação de tributos sobre a renda.
Com as eleições batendo à porta, parlamentares avisaram à equipe econômica que não há condições de aprovar mais aumentos de receitas. Isso já ficou claro em projetos como o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que não foi aprovado no ano passado.
Dessa forma, o cavalo de batalha do governo neste ano será evitar que o projeto de isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que recebem até R$ 5 mil mensais seja aprovado sem compensação, estimada em R$ 26 bilhões.
O temor de isso acontecer ficou claro, por exemplo, em uma nota técnica em que a Secretaria de Orçamento Federal alerta que o resultado final do projeto poderá ser afetado por alterações no texto durante a tramitação, podendo comprometer a perseguição de metas compatíveis “com uma trajetória sustentável da dívida pública, caso haja, eventualmente, insuficiência das medidas de compensação na versão final a ser aprovada”.
O crescimento econômico mais fraco em 2025 e provavelmente em 2026, nos cálculos da própria Fazenda, será outro fator de pressão. A atividade econômica em marcha lenta leva naturalmente a um freio nas receitas.
Mesmo neste ano — em que a meta é um pouco menos ousada e se prevê o déficit zero — as receitas ainda serão o maior desafio do governo, que prevê arrecadar R$ 2,9 trilhões (parte do bolo é compartilhado com estados e municípios). Há previsões que dificilmente serão cumpridas, como uma arrecadação de R$ 29 bilhões via Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Para completar, o tombo no preço do barril de petróleo causado pela guerra comercial de Donald Trump terá como efeito colateral uma redução de royalties para o governo federal.
A dificuldade do governo com receitas e a ânsia por novas formas de arrecadação não vai parar enquanto não houver um corte efetivo de gastos. O pacote aprovado no ano passado apenas permitiu ao Executivo manter investimentos, mas não avançou numa redução do patamar das despesas.
A própria dinâmica do arcabouço fiscal de Haddad, que privilegia o aumento de receitas para gerar mais gastos, contribui para o desejo de sempre se arrecadar mais. Se não houver uma correção de rumo, o orçamento público seguirá com medidas pontuais de arrecadação enquanto a dívida pública dispara e a credibilidade fiscal do país míngua.