Polícia faz operação contra tráfico na cracolândia e mira grupo de sem-teto
A polícia de São Paulo realizou na manhã desta sexta-feira (5) uma grande operação de combate ao tráfico de drogas em dois pontos do centro de São Paulo, com a participação de 500 policiais civis e militares. A ação teve dois focos, um na cracolândia e outro no Cine Marrocos. Ao menos 32 pessoas foram detidas, segundo a polícia.
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), afirmou que desconhecia a operação da polícia e fez duras críticas ao MSTS (Movimento Sem-Teto de São Paulo). Para ele, os líderes do movimento exploravam os moradores.
Entre os alvos da operação policial estavam lideranças do MSTS, grupo que ocupa o Cine Marrocos. Segundo investigação do Denarc (departamento de narcóticos), elas coordenavam a venda de crack e maconha, respectivamente, na cracolândia e na região da Galeria do Rock, também no centro. O MSTS, criado em 2012, é uma dissidência de outros grupos que lutam por moradia na cidade e já esteve envolvido em outras polêmicas como a cobrança de taxa de famílias –o que não é aceito por parte dos grupos de sem-teto.
OPERAÇÃO POLICIAL
Na cracolândia, pouco antes da ação desta sexta começar, os moradores perceberam a presença das tropas policiais montando a sua formação no entorno e começaram a recolher seus pertences. "Não corre! Não corre! É a polícia, sem correr", gritavam alguns moradores. "Sem repressão", disse um viciado, que levantava os braços para a tropa de choque em formação.
A operação policial começou por volta das 8h30, logo depois das equipes de limpeza da prefeitura realizarem a lavagem das ruas com jatos d'água na região da cracolândia. Policiais militares da Tropa de Choque cercaram todo o quarteirão.
Para dispersar os usuários de drogas, policiais da Tropa de Choque atiraram jatos d'água com um veículo blindado e dispararam balas de borracha e bombas de gás. Houve corre-corre e gritaria –alguns poucos usuários de drogas permaneceram dormindo no chão. Os moradores de rua se espalharam pelas ruas paralelas da cracolândia e alguns chegaram até a praça Princesa Isabel.
Depois, policiais civis passaram a arrombar hotéis e estabelecimentos comerciais na alameda Dino Bueno, onde fica o chamado fluxo da cracolândia. Ao menos seis estabelecimentos foram arrombados, com ajuda de aríetes para forçar as portas. "Prenderam uns irmãos do PCC [Primeiro Comando da Capital] lá na Dino e o negócio ficou feio", dizia, às 10h, um usuário que se deslocou para a alameda Barão de Limeira. "Acho que eles querem acabar com aquele lugar."
O repórter fotográfico da Folha acompanhou a incursão policial em um dos hotéis. No local, bastante escuro, várias portas foram arrombadas. Uma mulher com uma criança saiu de uma delas bastante assustada. Vários suspeitos e viciados eram retirados dos hotéis, alguns deles aparentando desorientação. Em seguida, eles eram colocados no chão algemados, e posteriormente levados para os carros da polícia. "Entra na viatura, entra", disse um policial, que bateu o porta-malas do veículo sobre a perna de um dos detidos.
O principal ponto era um hotel na esquina com o largo Coração de Jesus, número 135. No local, além da sigla PCC pichada nas paredes, havia vários símbolos utilizados pela facção criminosa, como o yin-yang e o número 1533.
O delegado divisionário do Denarc, Alberto Pereira Matheus Junior, afirmou que o prédio era um quartel-general da facção criminosa. Ali, disse, operava um tribunal do crime onde eram decididas mortes de traficantes. "Ninguém vende uma droga aqui sem autorização [da facção criminosa]", diz Pereira. Segundo o delegado, o tráfico na região movimenta R$ 4 milhões por mês.
Os agentes afirmam que aprenderam uma "quantidade muito grande" de crack e maconha –na região são comercializados de 10 a 15 kg de crack por dia, segundo a polícia. No hotel, foi encontrada também munição, além de duas armas de fogo rústicas. "Cadê o Jack Sparrow? É do Piratas do Caribe essa arma", brincou um policial do GOE.
Pereira afirma que a operação tem mais de dez mil horas de interceptação telefônica. Segundo o delegado, as lideranças do tráfico na cracolândia foram presas durante a madrugada.
REPÓRTER DETIDA
Durante a operação, a jornalista Daniella Laso, da rádio CBN, foi temporariamente detida e teve seu celular apreendido por dois policiais. Em entrevista à rádio, Laso contou que estava filmando a operação quando foi abordada. As imagens feitas pela repórter foram apagadas.
Laso disse que começou a gravar imagens com o celular quando os PMs jogaram bombas de gás em moradores de rua que atiravam pedras contra os agentes. "Um policial chegou abordando o motorista e disse, com violência, para ele sair dali."
A repórter afirmou que ela e o motorista que a acompanhava usavam crachás de identificação de imprensa, e que o carro da empresa também era sinalizado. "O policial pediu o meu celular e eu disse que eu não poderia entregar porque era meu instrumento de trabalho. Nesse momento o policial abriu a porta e puxou o Carlos, nosso motorista, para fora do carro. Outro policial abriu a minha porta e pegou o meu celular. O policial ficou muito nervoso e disse que ele iria me algemar e me jogar no chão, e que iria me retirar do carro para poder fazer uma abordagem."
Após sair do carro, Laso teve seus documentos apreendidos, foi revistada por uma policial e avisada que seria levada à delegacia para ser enquadrada por desobediência. Após meia hora, os agentes a liberaram ainda no local e devolveram o aparelho celular, mas as imagens haviam sido apagadas.
Em nota, a CBN afirmou estar perplexa com a ação e que repudia veementemente qualquer tentativa de impedir o trabalho da imprensa. A Secretaria de Segurança Pública ainda não se manifestou sobre o ocorrido.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) também divulgou uma nota de repúdio e solicitou às autoridades uma apuração rigorosa do ocorrido e a punição dos responsáveis.
"Qualquer tentativa de impedir que profissionais da imprensa exerçam seu trabalho deve ser condenada em respeito à liberdade de expressão e ao direito da sociedade à informação" diz a nota.
INVESTIGAÇÃO
A partir da investigação feita nos últimos meses, a suspeita da polícia é que pessoas alvo da operação atuem em sintonia com a facção criminosa PCC. O grupo alvo da operação, segundo investigadores do Denarc, é um dos quatro grandes mapeados na cracolândia, todos ligado ao PCC, e responsável pelocomércio de 100 kg a 150 kg de crack por mês na região.
Com base em interceptações telefônicas feitas com autorização da Justiça, a polícia suspeita da vinculação do MSTS no suporte logístico da facção e do comércio de drogas na cracolândia. O grupo, criado em 2012 a partir de um racha em grupos sem-teto, também é investigado sob suspeita de extorquir famílias sem moradia.
O movimento foi responsável pela invasão do antigo "Cine Marrocos" em 2013. A suspeita do Denarc é de que os últimos andares do imóvel serviria para realização de reuniões do crime organizado, assim com uma hospedaria da rua Dino Bueno, no chamado "fluxo" da cracolândia (onde os usuários de drogas se concentram).
Nos últimos dias, outras seis pessoas já haviam sido presas, e uma delas aceitou ajudar os policiais para apontar os chefes do tráfico e os códigos usados por eles nos telefonemas. Entre os alvos de mandado de prisão estão Robinson Nascimento dos Santos, coordenador-geral do MSTS, Lindalva Silva, vice-presidente do movimento, além do secretário-geral, Wladimir Ribeiro Brito, e da tesoureira, Elenice Tatiane Alves.
CINE MARROCOS
Dezenas de policiais do Choque e da Polícia Civil tomaram o antigo Cine Marrocos, na região central de São Paulo, por volta das 8h30 desta sexta-feira (5), em operação contra o tráfico de drogas.
Os dez primeiros andares do Cine Marrocos abrigam cerca de 300 famílias, que são obrigadas a pagar R$ 200 mensais ao grupo, como revelou a Folha em outubro de 2015. A investigação suspeita que esse dinheiro também era utilizado para compra de droga.