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Hospital do Andaraí ainda tem emergência fechada e falta de médicos, um mês após início da gestão compartilhada entre governo federal e prefeitura

Por — Rio de Janeiro/ O GLOBO,

 

 

Referência para tratamentos de alta complexidade, o Hospital Federal do Andaraí, na Zona Norte do Rio, está sob nova direção — ou deveria estar. Há um mês, o Ministério da Saúde publicou uma portaria estabelecendo a descentralização dos serviços de saúde, que teriam sua gestão compartilhada pela prefeitura e pelo governo federal. A proposta que é para recuperar o fôlego da unidade até agora não deslanchou. Nem mesmo o acordo de cooperação técnica necessário para levar adiante as medidas foi assinado entre os dois lados. Com isso, a contratação de mil funcionários anunciada pelo município tem nova data: fim de agosto.

 

Enquanto isso, a emergência continua com as portas fechadas, assim como o novo setor de radioterapia, voltado para o atendimento oncológico, segue sem previsão de abertura. E obras importantes, como a de reestruturação do Centro de Tratamento de Queimados (CTQ), estão paradas. Outro impasse é a greve dos servidores que já dura mais de dois meses. Nos 30 dias depois da portaria assinada pela ministra da Saúde, Nísia Trindade, além de reuniões, nada foi feito.

 

Além dos problemas estruturais, o hospital também sofre com a falta de profissionais de saúde. Ontem, o Andaraí estava com 176 leitos ocupados, 90 livres e 38 impedidos por falta de obras e médicos. As áreas mais afetadas são: oncologia; clínica médica; anestesiologista; neurocirurgia e cirurgia geral. De acordo com dados de abril, a unidade tem 332 médicos e 812 auxiliares e técnicos de enfermagem, desses 146 médicos e 225 auxiliares e técnicos trabalham com contrato temporário da União (CTU).

 

A Secretaria municipal de Saúde voltou a afirmar ao GLOBO que a Rio Saúde, empresa do município, fará a contratação de quase mil profissionais, entre médicos e enfermeiros, até o fim de agosto. O contrato de trabalho será via CLT com validade até 2026, podendo ser estendido por mais dois anos. A despesa de R$ 36 milhões será custeada pela prefeitura. Segundo o secretário Daniel Soranz, a medida faz parte da primeira iniciativa da prefeitura a pedido da União.

 

— Os contratos são de várias especialidades, oncologista, físico-médico, médicos de emergência. Essa contração vai acontecer até o fim de agosto. O que a ministra de Saúde decidiu é que a gente vai fazer as contratações. A prefeitura do Rio está aqui para apoiar o ministério nas decisões que tomar, sejam elas quais forem — afirmou o secretário.

 

Além do acordo de cooperação técnica que não foi assinado para estabelecer como se dará essa gestão compartilhada, um outro entrave pode deixar o Andaraí em agonia. 

 

A ideia da municipalização proposta pelo governo no início do mês passado é de que, após 90 dias — prazo prorrogável —, o município assuma a gestão da unidade de forma permanente. No entanto, o Acordo de Cooperação Técnica que define as regras do convênio ainda está sendo elabora, sem estabelecer valores de recursos.

Por nota, o Ministério da Saúde disse que o repasse de recursos para as obras de restauração e continuidade do Hospital está em “processo de elaboração, sem cláusula financeira estabelecida”. A pasta ressaltou ainda que tem feito estudos para entender a “viabilidade econômico-financeira para a eficiência da gestão hospitalar”. Fontes do Ministério da Saúde ouvidas pelo GLOBO afirmam que a medida é um cuidado da pasta para não infringir a Lei 9.504/1997 que “veda a transferência de recursos em período eleitoral, para assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos ao pleito”.

 

Além disso, a União afirmou que entre as negociações previstas, está a data de inauguração da Radioterapia. A obra financiada pelo PAC do Ministério, apesar de aparecer como 100% concluída no projeto, ainda está em fase de instalação do Acelerador Linear, com previsão de ser entregue a partir de setembro. Inicialmente, o prazo dado pelo União para entrega dessa obra era novembro de 2023. A pasta também disse que vai reabrir a emergência do hospital do Andaraí, mas não informou prazos e nem detalhou quanto de recurso será investido para isso.

 

No entanto, a mudança foi marcada por protestos e greves de servidores, que têm impactos negativos nas condições de trabalho e atendimento. Os funcionários realizaram manifestações contra a municipalização, preocupados com possíveis cortes e a precarização dos serviços.

 

Espera sem fim

A dona de casa Maria de Fátima Bezerra, de 66 anos, há cinco aguarda por uma cirurgia no braço esquerdo para retirada de um nódulo benigno. Moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, a aposentada conta que devido as dores constante, tem dificuldades de se movimentar e depende de remédios para dormir. Essa não é a primeira vez que a idosa aguarda por atendimento no Hospital do Andaraí. Em 2018, pouco antes de ser diagnosticada com o nódulo, Maria de Fátima precisou fazer uma cirurgia ginecológica para a retirada de um mioma.

 

Mas, devido a falta de profissionais, teve que aguardar por uma vaga para fazer o procedimento. Mesmo estando com risco cirúrgico para as duas operações ela ainda tem que esperar.

 

— Tive que me acostumar com a dor. É horrível porque minha vida mudou completamente. Eu não consigo sair de e não consigo ter uma vida normal. Infelizmente, sigo na fila esperando chegar a minha vez. Sei que tem pessoas em situação ainda mais grave. O problema é que não deveria ser assim. Eu só quero ter saúde, quero poder ter levar uma velhice normal e saudável — lamentou a idosa.

 

Fatiamento da rede federal

 

O ex-ministro da Saúde Arthur Quioro defendeu que a fusão das unidades de saúde é uma tendência global. No artigo publicado pelo O GLOBO, Quioro afirmou que “enquanto hospitais federais continuam ociosos, temos outros que operam em condições críticas, sem viabilidade de reforma ou ampliação”. O ex-ministro usou de exemplo a situação do Instituto Fernandes Figueira (IFF-Fiocruz) e do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG) da Unirio, que é gerido pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).

 

“A fusão de hospitais é uma tendência global, proporcionando ganhos de qualidade, escala, efetividade, adensamento tecnológico e de recursos humanos. Para além das tratativas em curso com a Prefeitura para gestão compartilhada do Hospital do Andaraí, não seria um avanço contar com a respeitada Fiocruz na solução da crise, assumindo a gestão de um dos hospitais federais”, escreveu Quioro

 

Crise que se arrasta

 

A transferência de unidades federais pelo Ministério da Saúde acontecem em meio a uma crise de gestão que se agravou no início deste ano. O “fatiamento” da rede está sendo negociado com parceiros, como a prefeitura do Rio. Está sendo discutida, por exemplo, a cessão do Hospital Federal da Lagoa para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

 

O Hospital dos Servidores, no Centro, ficaria com a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que já administra hospitais universitários em todo o país. Já o Hospital de Bonsucesso, na Zona Norte, ficaria com o Grupo Hospitalar Conceição (GHC), do Rio Grande do Sul, entidade que administra unidades ligadas ao SUS. Os acordos ainda estão sendo elaborados. Procuradas, as três entidades não se manifestaram.

 

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