Não faz sentido sigilo de cem anos sobre documento de ministro
Por Editorial / O GLOBO
É contraditório que o governo Luiz Inácio Lula da Silva mantenha sigilo de cem anos sobre documentos oficiais, prática tão criticada pelo próprio Lula durante a gestão Jair Bolsonaro. A negativa mais recente diz respeito a dados fornecidos ao Planalto pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para avaliar conflitos de interesse no cargo. O pedido negado foi feito por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo portal UOL.
Como medida de transparência, ministros têm de apresentar uma Declaração de Conflito de Interesses. Além de dados patrimoniais, fiscais e pessoais, ela informa se parentes até terceiro grau exercem atividades que podem ser incompatíveis com a função. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações alegou que “o documento está integralmente protegido por sigilo fiscal”. O Ministério de Minas e Energia argumentou que a LAI “classifica automaticamente informações de caráter pessoal com status restrito”. A Casa Civil informou que “se trata do estrito cumprimento das normas legais vigentes, e não de imposição de sigilo”.
Entende-se que o documento em questão possa conter informações sensíveis, mas o zelo pela transparência exige separar o que deve ser sigiloso e liberar o que é de interesse público. Uma das mudanças feitas na LAI no ano passado trata justamente de documentos sob sigilo de cem anos que contêm informações íntimas. É fundamental mesmo preservar o que é de caráter exclusivamente privado. Mas, nesses casos, os dados pessoais devem ser ocultados, e o restante liberado.
Impor sigilo de cem anos sobre o que quer que seja sempre desperta desconfiança. Lula sabe disso. Em debate com Bolsonaro na disputa pela Presidência, ele afirmou: “Farei um decreto para acabar com seu sigilo de cem anos para saber o que esse homem esconde por cem anos”. Um dos documentos trancados na gestão anterior era o cartão de vacinação de Bolsonaro, cujo sigilo foi suspenso em 2023. O documento é alvo de investigação policial por suspeita de fraude. O decreto de Lula realmente saiu, mas a prática se manteve.
Lula não pode nem alegar que o caso de Silveira seja excepcional. O governo mantém sob sigilo também as visitas à primeira-dama, Janja Lula da Silva; gastos com o uso do helicóptero presidencial e com alimentação no Palácio da Alvorada; além de visitas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto. Imagens de câmeras de segurança durante a invasão do 8 de Janeiro também foram consideradas segredo, mas acabaram liberadas pelo Supremo.
O sigilo sobre documentos da administração pública só deveria ser decretado em situações necessárias, mediante justificativas razoáveis. Infelizmente não é o que vem acontecendo. Dependendo da conveniência, governos sempre poderão alegar razões pessoais ou de intimidade para carimbar dados como sigilosos, desrespeitando o direito à informação.
É preciso preservar o espírito de transparência da LAI. A sociedade tem direito de saber o que se passa na administração pública. Como disse o próprio Lula, o que se tenta esconder por cem anos?