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Temer e o monstrinho - O ESTADO DE SP

O presidente Michel Temer causará um dano muito grave à economia brasileira se fraquejar, cair em tentação e aceitar o ressurgimento do chamado imposto do cheque, oficialmente conhecido como CPMF, a famigerada Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira. Líderes do PT jamais deixaram de lamentar o fim dessa aberração tributária, extinta em 2007.

Com frequência atribuíram os problemas do setor de saúde, nos últimos anos, à perda desse dinheiro, embora jamais o tenham empregado integralmente nessa área. Conseguir no Congresso a recriação desse tributo era parte do programa fiscal do governo afastado em abril. O novo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, nunca rejeitou explicitamente essa ideia. Isso preocupa. O programa de ajuste ainda pode incluir um aumento da tributação, como admitiu o ministro, e falta saber se o governo estará disposto a recorrer ao pior dos tributos da história da República.

Esse risco é especialmente inquietante porque pelo menos em um ponto os defensores da CPMF estão certos: esse tributo é o mais confortável para o Fisco. A cobrança é fácil, a sonegação é difícil e a maior parte das pessoas nem percebe que está sendo espoliada. Só um terço dos entrevistados numa pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse conhecer a CPMF e foi capaz de identificá-la como um tributo. Depois de uma explicação sumária, 73% disseram ser contrários à sua recriação.

Foi a mesma porcentagem anotada em 2010 numa sondagem semelhante. Dois terços dos entrevistados aceitaram total ou parcialmente a classificação desse tributo como injusto, por afetar os contribuintes de todas as faixas de renda, ricos ou pobres, sem distinção. Além disso, a maioria indicou o efeito da CPMF na formação dos preços, em prejuízo do poder de compra do consumidor.

Essas objeções, no entanto, são aplicáveis também a outras classes de tributos. Impostos indiretos tendem a ser regressivos, afetando mais severamente os consumidores mais pobres, mesmo quando há alguma diferenciação de alíquota. No Brasil, a receita pública é formada principalmente por esses tributos.

Mas os defeitos da CPMF são mais numerosos e mais graves, embora nem sempre sejam identificados pela maior parte das pessoas. O chamado imposto do cheque incide em cascata e nisso difere dos impostos sobre o valor agregado, como o ICMS. Seu efeito sobre preços – e, portanto, sobre custos – é cumulativo.

Quanto mais longa a cadeia de valor, mais danoso é esse efeito. O encarecimento causado pela incidência em cascata prejudica o poder de competição dos produtores nacionais, principalmente da indústria. Atrapalha, portanto, a criação de empregos e dificulta a obtenção de dólares por meio do comércio exterior. Do ponto de vista da competitividade, o sistema tributário brasileiro é muito ruim mesmo sem um trambolho como a CPMF. Com esse tributo, o sistema piora e emburrece ainda mais.

Mas, acima de tudo, o chamado imposto do cheque pertence ao domínio da teratologia. Tributos clássicos – ou simplesmente normais – são baseados em fatos econômicos, como a produção, a circulação de bens e serviços, as operações de crédito, as várias formas de rendimento (salários, lucros, juros e aluguéis), a propriedade e a sua transferência por meio de herança ou doação. O caso da CPMF é muito diferente. Não se define esse tributo por nenhuma dessas bases. O contribuinte é forçado a pagar esse tributo simplesmente por transferir dinheiro ou completar uma transação por meio do pagamento. O consumidor, por exemplo, é tributado quando realiza uma compra (com ICMS, etc.) e é cobrado, de novo, ao liquidar a transação. Paga-se tributo sobre o pagamento. Não importa se o pagamento é em dinheiro vivo, porque para tê-lo no bolso é preciso sacá-lo.

Nada pode justificar a recriação desse tributo. Além do mais, a União terá provavelmente de repartir a receita com os Estados. Isso tornará ainda mais difícil enterrar de novo o monstrinho tributário.

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