Qual o saldo das entrevistas de Lula?
Por Vera Magalhães / O GLOBO
O governo Lula 3 superou a marca dos 500 dias em maio. O mês de junho foi marcado por uma turnê de entrevistas do presidente a rádios e portais de internet, algo sempre bem-vindo, pois a prestação de contas é primordial em governos democráticos. Mas qual o saldo das falas do petista? Se for feita uma pesquisa, provavelmente o que mencionarão serão as críticas, em diferentes tons de agressividade, ao Banco Central, à política monetária e ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto.
No dia da primeira das entrevistas da série, à CBN, o dólar fechou em R$ 5,43, maior patamar desde janeiro de 2023. Durante a fala ao UOL, na última quarta-feira, a moeda americana rompeu o patamar de R$ 5,50 pela primeira vez desde janeiro de 2022. Não adianta o presidente perder a esportiva e chamar de “cretinos” os que apontam coincidência entre suas falas e os movimentos do câmbio, porque a entrevista foi ao vivo, e a oscilação da moeda em tempo real. Claro que a depreciação do real não se deve exclusivamente às entrevistas do presidente, mas xingar a imprensa, ainda mais com dados imprecisos, não retira o peso das palavras.
Uma rodada de entrevistas geralmente é pensada pela equipe de assessoria de governantes para comunicar alguma ideia-guia específica. Aos 500 dias, o que Lula pretendia destacar? Quais as conquistas, os programas em andamento, os próximos projetos prioritários e o que tem sido feito para chegar aos objetivos? Pouco se soube a esse respeito nas falas de Lula, e não por responsabilidade da imprensa, como pode vir a reclamar o presidente, pelo que se depreende da disposição de incorrer no surrado expediente de culpar o mensageiro.
O ano de 2023 foi de êxito na resistência a uma tentativa de golpe de Estado por parte de bolsonaristas, gestada pelo próprio Jair Bolsonaro ao longo de quatro anos no poder e, sobretudo, nos dias finais em que se trancou no bunker do Alvorada. Também foi um ano em que o governo teve apoio no Congresso desde a transição, que lhe rendeu a PEC ampliando a margem para gastos, depois, a aprovação de reformas como o arcabouço fiscal e a tributária. A economia reagiu bem, o crescimento superou a expectativa, a inflação andou na linha, os juros começaram a cair, o emprego foi positivo.
E em 2024? O governo começou o ano com o pé torto, tentando desfazer projetos do Congresso por Medida Provisória, revendo a meta fiscal antes de ela completar um ano de aprovação e fracassando em tentativas de equilibrar as contas aumentando a arrecadação — receita que também funcionou em 2023, mas que agora cobra uma contrapartida em contenção de gastos, que Lula se recusa a enfrentar.
A tragédia do Rio Grande do Sul drenou esforços, recursos e atenções. Representou um bom momento de Lula como governante neste ano, se mostrando empático, presente, ágil e assertivo nas iniciativas de socorro ao estado devastado por uma catástrofe climática inédita. É difícil avaliar quanto a imagem de um político pode se beneficiar de um evento tão dramático, mas pesquisas que mostraram a interrupção na queda da avaliação do petista ao menos sugerem que a população, e não só a gaúcha, aprovou a ação sem rodeios no Sul.
Diante dessa cronologia, fica difícil entender por que o presidente optou por desperdiçar uma vitrine em rádios e portais nacionais e regionais para ficar de picuinha com o presidente do BC, transformando-o em adversário, especulando sobre a própria sucessão, ressuscitando Bolsonaro e até fazendo apostas de alto risco, como dizer que só presidente incompetente não se reelege, quando se vê, mundo afora, uma alternância de mandatos maior que a História mostrava nas décadas passadas.
O saldo, portanto, do road show de entrevistas de Lula, para seu próprio governo, é o oposto da disparada do dólar: bastante negativo.