Após fazer festa para anunciar a ‘obra do século’, Valec abandona cidade que colocou uma locomotiva em seu slogan à espera do terminal. No dia 23 de outubro de 2010, o pequeno rancho do agricultor Geraldo Gomes Pinto foi transformado em um heliporto. Do céu, desciam o então presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha, e sua comitiva, para anunciar, bem ali no quintal do senhor Geraldo, que o futuro finalmente havia chegado a Santa Isabel, pequeno município de 7 mil habitantes no interior de Goiás, cortado pelo traçado da Norte-Sul e pela BR-153, a Rodovia Belém-Brasília.
Juquinha distribui abraços, sanduíches e a promessa de dias melhores para a população, com desenvolvimento e emprego. Foi chamado pelos prefeitos da região que o acompanhavam de “estadista” com grande visão empreendedora. “Eles desceram bem aqui”, diz Geraldo, ao mostrar um roçado no meio do mato. “Falavam que a vida da gente ia melhorar, que o terminal de carga ia mudar tudo por aqui, essas coisas todas que os políticos falam.” A comitiva contava coisas sobre a “espinha dorsal do Brasil”, a “obra do século”, o “eixo central de integração dos modais de transporte do País”. Empolgado com tanto desenvolvimento e com os tributos que o município passaria a receber, o prefeito de Santa Isabel, Levino de Souza, tratou de pintar sua cidade como a capital da ferrovia. No site de Santa Isabel, estampou um novo “logotipo” para o município, com as imagens de uma locomotiva, um livro e uma cruz. “São os símbolos das nossas prioridades, o transporte, a educação e a saúde”, disse o prefeito. Os homens da Valec foram embora. Ficou a promessa. Está lá até hoje. O local que seria transformado em eixo logístico continua a ser o mesmo matagal. No lugar de galpões e estruturas para o transbordo de cargas, a Valec construiu só dois trechos de linhas paralelas à malha principal da ferrovia. Santa Isabel não passará de um local usado apenas para o controle de tráfego dos trens que circularão pela ferrovia. Como muitos municípios, portanto, ficará ao largo do prometido progresso, vendo o trem passar. “A ferrovia era nossa esperança. Hoje não tenho mais informações sobre o nosso terminal. Nem sei mais onde ficará. Não me falaram mais nada sobre o projeto que estava previsto para cá”, diz o prefeito Levino de Souza. “Fui até Brasília, cobrei o projeto, mas nada aconteceu. Isso causa uma frustração muito grande na gente, na população. Somos uma cidade de pequenos agricultores, mas nessa região também tem muita usina de cana. É lamentável tudo isso.” A Valec informou que não adianta mais esperar por terminais ali. A estatal declarou que, depois de reestudar o trecho, percebeu que a proximidade de outras cidades com maior estrutura acabaram por não justificar o investimento adicional no meio do caminho. “A demanda de carga ali tem a concorrência de Uruaçu e de Anápolis, que são razoavelmente próximas. E ainda tem um problema geológico, que é violento. O custo seria altíssimo para estabilizar o solo”, diz o diretor de Operações da Valec, Marcus Almeida. O pequeno agricultor Geraldo Gomes Pinto diz que não lamenta mais o plano frustrado. “Já estou com os meus 67 anos. Para mim, o tempo desse progresso todo que falavam passou”, diz o agricultor, abraçado à mulher, Celina Gomes Pinto. “O que eu quero agora é só sossego, cuidar das minhas vacas e dormir em paz.” Todos os dias, pela tarde, funcionários terceirizados que trabalham na manutenção da Norte-Sul passam pela porta de senhor Geraldo. “Faz anos que eles vêm aqui, passam de lá para cá na ferrovia e vão embora.”O ESTADO DE SP