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Governo vai ao STF pedir para rever forma de pagar precatórios e espera quitar R$ 95 bilhões

Por Adriana Fernandes e Mariana Carneiro / O ESTADÃO DE SP

 

BRASÍLIA – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva recorreu ao Supremo Tribunal Federal para rever o pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União), alterado pela chamada “PEC do Calote”, aprovada em 2021 e que fixou um teto anual para essas despesas. Com isso, o governo espera quitar cerca de R$ 95 bilhões de fatura acumulada e planeja alterar definitivamente como esses pagamentos são computados na contabilidade federal.

O governo alega que a limitação imposta pela PEC é inconstitucional e deixou a União em moratória por não pagar uma dívida líquida e certa. A Advocacia-Geral da União (AGU) vai defender no STF a inconstitucionalidade desse dispositivo da emenda, que “pedalou” o pagamento de precatórios, gerando uma bola de neve para as contas do governo.

Para contornar o impacto fiscal, o Ministério da Fazenda traçou uma estratégia. Em caso de decisão favorável do STF, o plano é apresentar um pedido de abertura de crédito extraordinário ao Congresso para pagar todo o valor atrasado, avaliado em R$ 95 bilhões — sendo R$ 65 bilhões de precatórios acumulados e não pagos, mais a previsão para os pagamentos de 2024.

A alegação preparada pelo Ministério da Fazenda é que a quitação do estoque não era esperada e, como se trata de uma despesa extraordinária, deve ser liberada do limite do teto de despesas do novo arcabouço fiscal. Dessa forma, o governo poderá arcar com o pagamento sem infringir as regras fiscais.

Além disso, as despesas de precatórios serão desagregadas permanentemente. O valor principal da dívida será tratado como uma despesa primária e entrará na lista de gastos submetidos ao teto de gastos. Já o que for referente ao pagamento de juros será segregado e tratado como despesa financeira.

Bola de neve

 

A alteração é uma saída ao que o governo atual considera uma “moratória” no pagamento de precatórios. Isso porque, com o limite anual, o que extrapolava o teto era acumulado. Em 2027, quando venceria a regra criada pela PEC, essa quantia chegaria a R$ 250 bilhões, segundo projeção do Ministério da Fazenda.

O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, afirmou ao Estadão que essas obrigações são uma dívida do governo, que estava sendo subestimada nas estatísticas oficiais, pois não era contabilizada com essa classificação. Dessa forma, a alteração contábil deverá elevar a dívida pública, segundo ele, “no dia seguinte”, em um ponto porcentual do PIB.

“Para nós, para além do fiscal, os efeitos econômicos e reputacionais são o que importa para sair dessa”, afirma Ceron. “Essa é uma solução que conseguimos emplacar com razoabilidade técnica. O País está em moratória perante investidores. Se eu não pago uma parte dos meus credores (os donos de precatórios), que segurança eu dou para outra parte dos meus credores que eu não vou estender isso?”, questiona.

A promulgação da PEC, no início de 2022, diz ele, ampliou em R$ 130 bilhões os gastos do governo para rolar sua dívida, em razão do impacto que a medida provocou na confiança de investidores internos e externos.

Debate

A mudança de classificação de parte da dívida com precatórios para despesa financeira é objeto de debate entre economistas fiscalistas, que alegam que o manual do Fundo Monetário Internacional (FMI) trata as despesas judiciais como primárias. Isso significa que, para o fundo, deveriam ser contabilizadas no chamado resultado primário (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida).

Ceron nega, contudo, que a medida seja uma manobra de contabilidade criativa, como sugeriram os críticos quando os estudos da equipe econômica começaram. O temor desse grupo de economistas é justamente que o governo promova a mudança para melhorar o resultado das contas públicas.

Segundo o secretário, a mudança não vai abrir espaço para novos gastos no Orçamento, ainda que o governo deixe de pagar integralmente o valor dos precatórios com recursos primários (orçamentários) no futuro. Ele acrescentou que o pedido para a abertura do crédito extraordinário para o pagamento do estoque também terá como pano de fundo este compromisso do governo.

“(No pedido) A frase é exatamente assim: autorizar a abertura de crédito extraordinário para a quitação do estoque de precatórios, expedidos e não pagos, deduzidas as dotações orçamentárias previstas para pagamento de sentenças na proposta orçamentária de 2024″, garantiu.

O argumento do secretário do Tesouro é que, do ponto de vista do arcabouço jurídico brasileiro, não há dúvidas de que os juros têm natureza financeira na contabilidade pública.

“(A medida) Não gera economia de recursos e não gera espaço fiscal. O montante reservado para sentenças judiciais continua do mesmo jeito. Não vai tirar nenhum real de despesa primária do orçamento”, disse Ceron. “Vou bater nessa tecla que o País está em moratória perante os investidores externos.”

Para ele, a proposta dá um caminho técnico para o STF no caso de a emenda ser declarada inconstitucional, uma vez que há duas ações em discussão na Corte questionando a constitucionalidade da PEC.

Virada de 180º graus

 

A ação representa uma virada de 180º na postura da AGU, que, no governo Bolsonaro, defendeu a constitucionalidade da PEC, usada como manobra para o governo gastar mais em 2022, ano em que o ex-presidente buscou a sua reeleição.

A vantagem da estratégia adotada agora é que o governo não vai precisar da aprovação de uma nova PEC no Congresso, com custo político para o governo, apenas um ano depois da decisão anterior.

Para o economista Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, a solução proposta pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é positiva e dá fim ao calote que criou uma bola de neve para 2027. Salto foi um dos economistas que alertou para esse risco quando a PEC foi aprovada. Ele admite, no entanto, que, a partir de 2025, a nova regra pode abrir espaço em relação a um cenário de referência em que todo o pagamento — do juro e do principal — continuasse a ser tratado como despesa primária.

Salto sugere que se adote uma regra de meta de resultado primário das contas públicas mais apertada na exata proporção dessa eventual folga, para evitar gastos adicionais. “O pagamento das despesas financeiras vai sensibilizar a dívida. Não existe almoço de graça. A verdade é que a proposta é muito boa, porque consegue endereçar um problema histórico, mas com responsabilidade fiscal. Cabe apenas cuidar para preservar esse espírito para além de 2024″, diz.

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