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Liderar não é só distribuir dinheiro

O ESTADÃO DE SP

É lamentável que o presidente Lula da Silva ainda não tenha se dignado a visitar os gaúchos para lhes prestar solidariedade pessoalmente. Há uma semana, um ciclone extratropical devastou quase uma centena de municípios do interior do Rio Grande do Sul, levando à morte dezenas de pessoas e deixando milhares de desalojados e desabrigados. A bem da verdade, o governo federal se mobilizou para oferecer ajuda material ao Estado, mas isso não basta. Como presidente em exercício, Geraldo Alckmin viajou ao local. Mas isso tampouco é suficiente – afinal, o vice não é o presidente da República.

 

O que causa espanto é que Lula entende o valor desse amparo pessoal, e ainda assim não achou que era o caso de alterar sua agenda. Quando uma horda de bolsonaristas tomou Brasília de assalto no 8 de Janeiro, o presidente estava em Araraquara, no interior paulista, reunido com autoridades locais para avaliar os danos provocados pelas chuvas e confortar a população. Um mês depois, Lula viajou às cidades de São Vicente e Ubatuba, onde mais de 30 pessoas morreram em decorrência das fortes chuvas de verão. Sua presença no litoral norte de São Paulo ao lado do governador Tarcísio de Freitas, um adversário político, transmitiu à Nação, num momento de dor, a ideia de que há laços mais fortes entre os brasileiros do que divergências ideológicas seriam capazes de romper.

A presença física do chefe de Estado nos momentos de luto ou calamidade pública é fundamental para dar conforto emocional aos cidadãos afligidos. A dimensão simbólica da liderança presidencial é muito mais importante do que seu aspecto burocrático. Um estadista é visto pela sociedade como um farol de esperança e estabilidade nos momentos mais dramáticos de uma nação. A história é pródiga em exemplos de situações em que a mera aparição do líder nacional em cenários devastados – seja por guerras, tragédias naturais ou emergências sanitárias – foi a chave para revigorar espíritos e orientar os esforços de superação.

 

Se, do ponto de vista humanitário, a distância entre Lula e os gaúchos pode ser considerada um desastre dentro de outro, do ponto de vista político é um deslize que permitiu que parlamentares como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) – cujo próprio pai se entregou ao dolce far niente enquanto milhares de brasileiros agonizavam vítimas do coronavírus – tripudiassem da “falta de empatia” do presidente da República, para delírio da claque bolsonarista. Decerto Lula poderia ter passado sem essa.

 

Por terríveis que sejam, situações de luto ou calamidade pública são propícias para o reforço dos laços entre os brasileiros. A presença do líder máximo da Nação oferece conforto, orientação e esperança aos cidadãos. São percepções cruciais para gerar confiança na capacidade do governo de gerenciar a crise e fornecer os recursos necessários, não só financeiros, para superá-la. A figura do chefe de Estado ainda tem o condão de reforçar a ideia de unidade nacional, fator decisivo para a formulação de respostas coordenadas a qualquer tipo de crise, tanto por entes federativos como por organizações da sociedade civil.

 

Ademais, Lula perdeu uma oportunidade de demonstrar solidariedade e empatia, reafirmando que a Nação está e estará unida em face das adversidades, presentes ou vindouras. Teria ajudado, assim, a fortalecer os laços entre os cidadãos, promovendo um senso de comunidade e pertencimento. Ainda há tempo.

 

Lula foi eleito, convém lembrar, para unir o País. Como candidato à Presidência, alardeou essa intenção aos quatro ventos. Como chefe de Estado, adotou “União e Reconstrução” como slogan de seu terceiro mandato. Espera-se, portanto, que Lula vá além de platitudes e, por meio de palavras e gestos inequívocos, seja capaz de inspirar os brasileiros a olhar para seus concidadãos com o espírito desarmado e procurar enxergar elementos de aproximação, em que pesem as divergências próprias de qualquer sociedade livre. Para infortúnio do País, nos últimos anos houve demasiado esforço na direção diametralmente oposta.

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