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‘Petrobrás vai ter todo o cuidado’ – mas que cuidado é esse, presidente?

Por Mariane Castro, Nara Perobelli e Ana Clara Toledo / o estadão de sp

 

 

A Cúpula da Amazônia, encontro entre líderes e chefes de Estado dos países amazônicos, ocorreu nos dias 8 e 9 de agosto, em Belém do Pará. Apesar de ser tema recorrente nas mesas de debate e entrevistas, a exploração de petróleo não consta na declaração conjunta dos países. Ainda assim, diversas autoridades foram estimuladas a manifestar suas expectativas sobre o tema. Entre elas, os presidentes de Brasil e Colômbia, Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro.

 

Enquanto nossos vizinhos caminham para a construção de política pública de zero petróleo, deste lado da fronteira, o presidente reforçou a posição favorável à extração na foz do Rio Amazonas. Lula afirmou, dias antes do início do evento, que a exploração deve acontecer “com todo o cuidado” e que a população local “pode continuar sonhando”. Mas, aqui, cabe uma pergunta ao presidente da República: que cuidado é esse? Para nós, cuidar é o oposto de explorar.

 

Extrair ou, mesmo, pesquisar a existência desse óleo é, por si só, uma atividade de alto risco. Na região da foz do Rio Amazonas há quase uma centena de poços perfurados pela Petrobras, dos quais apenas 2% encontraram algum petróleo e, ainda assim, em quantidade não comercial. Já a porcentagem de acidentes mecânicos nesta fase exploratória que culminaram com o abandono da operação beira 29%, conforme relatório da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

 

Além da questão da viabilidade econômica de empreendimentos como este, existe o aspecto ambiental. A margem equatorial do litoral brasileiro é uma área rica em biodiversidade. Ela é composta por recifes de corais recém-descobertos e manguezais, que são essenciais para a proteção da costa e habitat para diversas espécies marítimas.

 

Vale o risco de perder ou danificar todo este ecossistema num possível caso de vazamento de óleo? Por mais “cuidado” que Lula prometa ter, o plano de contingenciamento da Petrobras prevê um prazo de 43 horas para posicionar os equipamentos necessários para controlar a situação. O tempo necessário para o petróleo alcançar a Guiana Francesa – o que poderia até levar a um incidente diplomático – seria de apenas 10 horas. Além disso, é na relação com a natureza que se baseia a construção cultural, de identidade e modo de vida das populações locais. São elas as principais responsáveis por garantir a existência de uma Amazônia plural, diversa e viva.

Outro fator relevante nesta discussão é notar que o Brasil escolhe caminhar na contramão do mundo, que busca reduzir a dependência desta fonte de energia em favor de fontes limpas, renováveis e sustentáveis. Num momento favorável ao desenvolvimento de novas formas de obter energia, o País escolhe procurar – onde não há certeza de que exista – mais combustível fóssil. A estimativa é de que a foz do Amazonas possa conter cerca de 9 bilhões de barris, o que corresponde a menos de 10% do que foi achado no pré-sal, nas bacias Sul e Sudeste.

 

Outras matrizes se apresentam como opções viáveis e sustentáveis, como, por exemplo, as energias eólica, solar e de biomassa a partir da cana-de-açúcar. Elas apresentam riscos menores ao meio ambiente e podem atrair investimentos para proporcionar o desenvolvimento de diversas regiões do País.

 

Aliás, é comum ouvir que a descoberta do óleo mineral pode trazer um boom de investimento para a região, o que representaria um avanço social. A criação de vagas de emprego, por exemplo, é uma realidade. Entretanto, esses postos seriam preenchidos, provavelmente, por profissionais de fora da região, pois exigem alto nível de especialização. Há também o impacto nas atividades econômicas locais, que podem ser severamente afetadas em caso de acidentes com vazamento, tendo em vista que os principais serviços são a pesca, a agricultura e o turismo.

 

O Brasil é autossuficiente em petróleo. O que é extraído aqui supera a necessidade dessa commodity, mas não há refinarias no País. Assim, o óleo cru é exportado para refinarias estrangeiras e, depois, importamos este mesmo óleo refinado. Ou seja, o bônus vai para fora, e ficamos com o ônus. Seria mais vantajoso que esse investimento fosse direcionado para a construção de refinarias, barateando o produto interno.

 

Há saída para esses impasses? A construção de alternativas viáveis passa pela atenção às comunidades locais. Se a Amazônia é lar, os povos dali são os chefes deste lar, e, assim, devem ser ouvidos e respeitados. São eles que podem impulsionar a bioeconomia, que prevê o uso responsável deste ecossistema, desde o entendimento sobre o funcionamento das marés, que podem afetar o rio em caso de vazamento, até a criação de alternativas como o turismo e a pesquisa, por exemplo.

 

Não tem como cuidar da Amazônia sem garantir os direitos básicos da população local. Em especial para um governo que se diz favorável à defesa e proteção da região. Se não houver a garantia de respeito à população, apenas se reproduz o processo de exploração colonial, em que o ouro fica com os exploradores e a morte, com os explorados.

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SÃO, RESPECTIVAMENTE, GESTORA DE COMUNICAÇÃO DO OBSERVATÓRIO DO MARAJÓ; ASSESSORA DE CAMPANHAS E MOBILIZAÇÃO DO LABORATÓRIO DE CLIMA DA PURPOSE BRASIL; E GERENTE DE ESTRATÉGIA DO LABORATÓRIO DE CLIMA DA PURPOSE BRASIL

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