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Prefeituras afirmam cumprir políticas para população em situação de rua, mas admitem desafio

Por Elisa Martins — São Paulo / O GLOBO

 

Após o anúncio da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que torna obrigatória a adoção de políticas efetivas para a população em situação de rua no país, prefeituras afirmaram possuir programas específicos para esse grupo, mas reconheceram se tratar de um problema complexo. O GLOBO questionou as lideranças das principais cidades brasileiras sobre como pretendem se adequar à determinação do ministro Alexandre de Moraes, que na terça-feira (25) deu um prazo de 120 dias para municípios, estados e o próprio governo federal apresentarem planos e diagnósticos precisos sobre as pessoas que vivem nas calçadas e viadutos de seus territórios.

Algumas medidas já são imediatas: a decisão de Moraes proíbe “o recolhimento forçado de bens e pertences, a remoção e o transporte compulsório e o emprego de técnicas de arquitetura hostil contra as populações em situação de rua”.

 

O tema atinge em cheio cidades como São Paulo, que viu a população de rua explodir nos últimos anos, em especial após a pandemia. No início do mês, a polêmica aumentou com a tentativa de remoção de moradores da região da Cracolândia para debaixo da Ponte Estaiadinha, no Bom Retiro. Há alguns meses, organizações da sociedade civil também vêm denunciando operações de retirada de pertences de pessoas em situação de rua, como as barracas que se tornaram frequentes na paisagem da capital paulista.

A prefeitura de São Paulo, via Secretaria Municipal das Subprefeituras (SMSUB), afirma que não recolhe pertences de pessoas em situação de rua e que, durante as ações de zeladoria, retira pertences não configurados como pessoais, “como pedaços de madeira, paus, colchões grandes, cadeiras, camas, sofás, barracas montadas e lonas para montar tendas”.

 

A pasta diz seguir determinação do decreto municipal 59.246/2020, segundo o qual “não é permitida a ocupação que caracterize o uso permanente em local público, principalmente, quando impedirem a livre circulação de pedestres e veículos, tais como os objetos supramencionados”.

Ainda de acordo com a prefeitura, a capital paulista possui 25 mil vagas de acolhimento para pessoas em situação de rua, distribuídas em centros de acolhida, hotéis sociais, repúblicas para adultos, Vilas Reencontro, serviços emergenciais da Operação Baixas Temperaturas (OBT), entre outros.

Retirada de pertences

A retirada de pertences da população em situação de rua também gerou denúncias em Belo Horizonte. A pasta afirma que, nos dias de baixas temperaturas, as equipes da prefeitura “utilizam protocolos específicos de proteção”. É garantida a posse dos pertences pessoais, desde que possam levar consigo em seus deslocamentos, diz a prefeitura de BH.

“Os materiais identificados pelo cidadão como inservíveis são devidamente recolhidos”, diz em nota, acrescentando que “os materiais que não são passíveis de serem carregados pelo cidadão, como sofá e cadeira, são levados para o depósito da prefeitura e um auto de apreensão é emitido”. Segundo a pasta, os materiais podem ser recuperados com a apresentação do auto de apreensão.

Belo Horizonte tem atualmente 5.344 pessoas em situação de rua na cidade, segundo o Censo Pop Rua 2022, realizado pela prefeitura em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais em outubro do ano passado.

O número de vagas disponíveis atualmente para acolhimento, no entanto, cobre menos da metade disso: são aproximadamente duas mil vagas em 20 unidades de acolhimento no município. Segundo a prefeitura, a partir do Censo, o prefeito Fuad Noman anunciou uma série de ações “envolvendo as políticas de habitação, assistência social, trabalho, emprego e renda e saúde”.

 

Ainda de acordo com a pasta, a capital mineira vem ampliando unidades, serviços e equipes para atenção à população em situação de rua, e a decisão do ministro Alexandre de Moraes “representa a possibilidade dos municípios de retomar os diálogos, o pacto federativo, a efetiva corresponsabilidade entre os entes federados, inclusive com prioridade no financiamento com o Governo Federal”.

Política Nacional

A medida cautelar do STF estipula ainda a aplicação da Política Nacional para a População em Situação de rua a todos os estados e municípios brasileiros, “ainda que não tenha ocorrido sua adesão formal à política nacional”. O programa foi criado a partir de um decreto de 2009 com propostas de atenção a esse grupo mas, até 2020, apenas cinco estados e 15 municípios tinham aderido.

A prefeitura do Rio de Janeiro afirma que já segue as orientações da medida cautelar e diz realizar “parte das diretrizes” do decreto de 2009. Segundo a pasta, está “adequando suas instalações e qualificando os profissionais dentro do previsto no decreto”. Além disso, realiza “ações de reinserção familiar, volta à terra natal, capacitação profissional, atividades para geração de renda e inclusão produtiva, aluguel de imóveis para mulheres em processo de autonomia com seus filhos e que não tenham referência familiar, albergue para pessoas LGBTQIAPN+ e república para jovens”.

A Secretaria de Assistência Social realizou censo da população em situação de rua, que apontou a existência de 7.865 pessoas vivendo nas calçadas da cidade do Rio de Janeiro.

Censo na rua

A realização de um Censo detalhado dessa população é um dos pontos estipulados na medida cautelar de Moraes, que deu 120 dias a municípios e estados para que realizem esse diagnóstico “com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação”.

 

A prefeitura de Fortaleza afirma ter realizado em 2021 o II Censo Municipal da População de Rua, “com o objetivo nortear as políticas públicas para a população mais vulnerável da capital”. A pesquisa, afirma, mostrou que 2.653 pessoas vivem em situação de rua na cidade, sendo a maioria do sexo masculino (81,5%) e com idade entre 31 a 49 anos (49,1%).

A pasta afirma que realiza diversas ações e serviços que estão em conformidade com a decisão do STF, “como o cumprimento da Política Nacional para a População em Situação de Rua, diagnóstico de indicadores sociais, destinação de vagas em abrigos, fornecimento de alimentação, apoio a Comitê Municipal de Políticas Públicas para População em Situação de Rua, disponibilização de higiene básica, entre outras medidas de proteção social”.

A prefeitura afirma que ainda não foi notificada oficialmente da decisão, mas que, quando isso ocorrer, “reunirá os diversos órgãos da gestão municipal que atuam direta e indiretamente com a população em situação de rua para avaliação conjunta das ações necessárias para adequação à medida cautelar. Com o mesmo objetivo, será reavaliado o Plano Municipal para População em Situação de Rua para que possa comportar as demandas apresentadas pelo STF”, acrescenta.

O governo do Distrito Federal também afirma ter um diagnóstico dessa população e informa que, segundo o Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF), há 2.938 pessoas em situação de rua no DF. Os números, acrescenta, baseiam a implantação de políticas públicas para este público.

A pasta afirma ainda que executa as diretrizes da Política Nacional de 2009, e que possui 2.032 vagas de acolhimento atualmente, em 70 unidades, e informa que “não retira compulsoriamente pessoas em situação de rua”.

Arquitetura hostil

A medida cautelar também reforça a legislação aprovada em relação à aporofobia e à proibição do emprego de técnicas da chamada arquitetura hostil – também conhecida como Lei Padre Julio Lancellotti.

A prefeitura do Recife diz que foi a primeira capital do país a sancionar, no ano passado, legislação que proíbe arquitetura hostil na cidade. E que, desde 2021, conta com uma Política Municipal de Atenção Integral à Saúde da População em Situação de Rua.

Segundo a pasta, a rede de acolhimento local conta hoje com 619 vagas, sendo 80% delas ocupadas. O município diz ter realizado um censo da população em situação de rua, em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco, cujos dados serão divulgados no segundo semestre deste ano.

A prefeitura de Maceió afirma também possuir um Plano Municipal para Pessoas em Situação de Rua, baseado na Política Nacional de Atenção à População de Rua, que reúne as iniciativas de cada uma das pastas que atua em defesa desse grupo.

A pasta diz ainda oferecer acolhimento para as pessoas em situação de rua em abrigos públicos, “que dispõem de ambiente limpo, alimentação, banheiros e outros serviços”, e que as vagas de acolhimento foram aumentadas, sem precisar números.

Já a prefeitura de Cuiabá afirma que aderiu à Política Nacional para a População em Situação de Rua em 2021, e que as ações propostas já estão sendo executadas, “podendo ser aprimoradas em algumas questões”.

A pasta diz que no ano passado reinaugurou o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua, que oferece atendimento social, palestras, oficinas, encaminhamento para unidades de acolhimento, emissão de documentação, entre outros serviços.

A prefeitura afirma contar com 250 vagas para acolhimento de pessoas nessas condições. Em 2017, acrescenta, lançou o programa “Quero te conhecer”, para mapear e identificar a população em situação de rua, e afirma estar em fase de compilação dos dados de 2023.

A prefeitura de Curitiba informou que só vai se pronunciar após a comunicação oficial da decisão pelo STF.

 

 

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