Lula dificulta debate sobre meta de inflação
Por Editorial / o globo
Os reiterados ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central (BC) têm dificultado uma discussão essencial que deverá ser travada em breve no Conselho Monetário Nacional (CMN): qual é a meta de inflação ideal para o Brasil? Ao afirmar que o BC deveria tolerar uma inflação mais alta que os 3,25% adotados como meta neste ano, infelizmente Lula contribui para reduzir a confiança do mercado e para a necessidade de metas mais rigorosas.
“Se o presidente não tivesse se envolvido na polêmica, daria para manter a meta de 3,25% até 2026 e aceitar que a desinflação se desse lentamente”, diz o economista Fabio Giambiagi, pesquisador do Ibre-FGV e colunista do GLOBO. “Todo mundo entenderia que a inflação de 2024 e 2025 seria ligeiramente maior.” Mas agora, diz ele, se a meta subir, isso será interpretado como vitória de Lula sobre o presidente do BC, Roberto Campos Neto, aumentando a desconfiança no cumprimento das metas. Ao falar demais, Lula agiu contra o próprio objetivo.
Longe da trapalhada política, o debate acadêmico tem reunido argumentos favoráveis ao aumento na meta. Seus principais defensores têm sido os economistas Ricardo Barboza, Bráulio Borges (ambos do Ibre-FGV) e Mauricio Furtado, do BNDES. Em artigo no jornal Valor Econômico, eles propõem a elevação de 3% para 4% em 2024. Argumentam que, em 23 anos de políticas de metas, o CMN jamais se baseou em estudos técnicos para fixá-las e que a inflação só baixou a 3% uma única vez, em 2017.
“Num contexto de mercado de trabalho pouco flexível, de grande rigidez para baixo de preços e salários nominais, de elevada fragilidade fiscal e diante de uma realidade em que diversas despesas fiscais não podem ser reduzidas nominalmente — dentre as quais salários e aposentadorias/pensões do funcionalismo —, uma meta de inflação algo mais elevada poderia trazer mais benefícios do que custos”, escreveram Barboza e Borges. Como a inflação média nos últimos anos foi de 6,4%, eles afirmam que a meta de 4% seria mais realista. Traria mais credibilidade ao BC, sem que ele tivesse de afrouxar o combate à alta de preços.
A meta atual de 3,25%, apenas 1 ponto percentual acima da fixada pela Zona do Euro, é muito difícil de atingir, afirma o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-RJ. Mas o ambiente, diz ele, é de incerteza para qualquer mudança. Em vez de aumentar a meta, ele sugere que seria possível ampliar a tolerância de 1,5 para 2 pontos percentuais, de modo a tornar o esforço do BC mais compatível com a realidade. Outra ideia é deixar de adotar como critério para cumprimento da meta o ano calendário, de janeiro a dezembro. Para Cunha, o BC deveria ter entre um ano e meio a três para baixar a inflação, como outros bancos centrais. De 36 países analisados num estudo dos economistas Klaus Schmidt-Hebbel e Martín Carrasco, da Universidade Católica do Chile, 29 adotam prazos maiores que um ano para alcançar a meta.
Todas essas sugestões precisam ser debatidas com serenidade, com base em argumentos técnicos. Tristemente, é uma discussão impossível quando Lula eleva os decibéis em sua campanha contra Campos Neto, para esconder sua incapacidade de conduzir uma política econômica fiscalmente responsável. Tal verborragia recomenda que, por ora, se adie qualquer alteração na meta perseguida pelo BC.