Ministros levam rixas locais a Brasília e impõem novos obstáculos à articulação
Por Jeniffer Gularte e Sérgio Roxo — Brasília / O GLOBO
Além da demora nas liberações de emendas e nomeações, a construção de uma base sólida para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido prejudicada por disputas regionais. Rixas entre integrantes do primeiro escalão do Planalto e líderes do Congresso, oriundas de estados, transformaram-se em mais um obstáculo para a articulação política.
O caso mais complexo opõe o líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Como consequência, o deputado adota uma posição dúbia em relação ao governo, ora agindo como aliado, ora como adversário. No embate mais recente, o parlamentar disse que o rival era responsável por represar o pagamento de emendas, atrapalhando a relação com o Congresso — o titular da pasta reagiu e disse que não interfere no fluxo de repasses.
Embora tenha feito campanha a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro e se referido a Lula como “ladrão, corrupto e chefe de quadrilha”, o parlamentar chegou a ser cotado para assumir o Ministério de Integração Nacional no fim do ano passado, por comandar a terceira maior bancada da Câmara, com 59 deputados. Mas a pressão do PT da Bahia fez com que Lula recuasse.
Ainda assim, Nascimento manteve sua influência: seus indicados permaneceram na presidência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e de duas superintendências da estatal na Bahia.
Na avaliação de um petista próximo ao presidente, a rixa regional prejudica o governo. Para esse aliado, o deputado é uma liderança importante na Câmara e, se tivesse sido escolhido ministro, poderia ajudar Lula a ter uma base mais sólida. O entendimento é que a conjuntura nacional deveria estar acima da disputa local.
Estratégia em análise
Aliados de Costa, no entanto, se dividem sobre a possibilidade de o ministro tentar uma aproximação com Nascimento. Uma ala já aconselhou o titular da Casa Civil a buscar uma composição, com argumento de que é melhor tê-lo por perto e que o líder do União fará tudo o que puder para desgastar a relação do ministro com o Congresso. Outro grupo, no entanto, avalia que Costa deve centrar esforços na relação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
A rivalidade entre os dois políticos baianos tem origem na disputa pela prefeitura de Campo Formoso (BA), cidade de 72 mil habitantes que é reduto eleitoral da família de Nascimento e do deputado Adolfo Menezes (PSD), presidente da Assembleia Legislativa da Bahia — o parlamentar é um dos aliados mais próximos de Costa no estado e já foi recebido pelo amigo no Planalto.
Nascimento e Menezes disputam o comando do município e têm influência no centro-norte baiano. Ambos são oriundos da mesma família na cidade, chegaram a pertencer ao mesmo grupo político, mas romperam em 2012, quando Menezes venceu a eleição (ele acabou renunciando ao cargo pressionado por um impasse judicial). Meses depois, quem assumiu foi o irmão de Elmar, Elmo Nascimento, então presidente da Câmara Municipal. Ele tornou-se aliado de ACM Neto enquanto o PSD, de Menezes, virou uma das legendas mais fiéis ao PT da Bahia, sigla que comanda o estado há 16 anos. No governo de Jair Bolsonaro, Nascimento ganhou influência e levou R$ 29,9 milhões em recursos do orçamento secreto ao município.
Ofensas na campanha
Outro embate regional que atinge o governo vem de Alagoas. Os grupos do ministro dos Transportes, Renan Filho, e do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), cultivam longa rivalidade. O senador Renan Calheiros (MDB), pai do ministro, é processado pelo deputado por causa de uma postagem nas redes sociais em que o chama de “ladrão”.
O governo depende de Lira para dar andamento aos projetos de seu interesse na Câmara. Para não se tornar alvo de aliados do presidente da Casa, Renan desistiu de integrar a CPI mista que vai investigar os ataques golpistas. O Planalto contava com o senador alagoano na comissão, por causa de sua experiência, para enfrentar os bolsonaristas.
Antes de se tornarem rivais, Lira e os Calheiros foram próximos. Na eleição de 2010, Renan e Benedito de Lira, pai do presidente da Câmara, apesar de estarem em chapas diferentes, fizeram uma aliança informal e conseguiram ser eleitos senadores.
A rixa nasceu na eleição seguinte, quando Renan Filho e Benedito de Lira se enfrentaram pelo governo e trocaram ataques duros — o atual ministro venceu. Em 2018, Benedito disputou o Senado com Renan Calheiros e perdeu.
Nas eleições do ano passado, com Lira no comando da Câmara dos Deputados, os dois clãs se enfrentaram de forma indireta, mas com trocas pesadas de acusações. Paulo Dantas (MDB), candidato dos Calheiros, venceu o governo contra Rodrigo Cunha (União Brasil), nome de Lira.
Outro embate local ocorre no Maranhão, em que o senador Weverton Rocha (PDT-MA) rompeu com o ministro da Justiça, Flávio Dino. Os grupos disputaram cargos federais no estado, e Weverton foi contemplado com o mais cobiçado deles, a superintendência regional da Codevasf.
Já no Ceará, a disputa é entre o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), e o deputado Eunício Oliveira (MDB), aliado histórico de Lula. Eunício tem criticado a articulação governista.