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Lula faz balanço de cem dias sem novidade para mostrar

Por Vera Magalhães / O GLOBO

 

Lula repetiu mais de 30 vezes em seu discurso lido por ocasião dos primeiros cem dias de governo que "o Brasil voltou". A ênfase no slogan de seu terceiro mandato trai o que foram os primeiros três meses e pouco de governo: a retomada dos programas que marcaram as gestões petistas anteriores e o desfazimento das políticas de Jair Bolsonaro consideradas retrocessos. Mas a repetição de um verbo que também tem o sentido de recuo, de recomeço, de reinício é perigosa, pois trai a ausência de novidades, de projeto de futuro embutida. E este é o resumo acabado dos primeiros cem dias de Lula 3: é positivo que algumas coisas tenham voltado ou estancado, mas falta algo de novo no horizonte.

 

O incômodo com a constatação de que ainda não vislumbra uma nova marca para sua terceira passagem pela Presidência é visível em Lula. Esteve estampado em sua cara e marcado em sua fala tanto no café da manhã com jornalistas na última quinta-feira quanto nesta segunda. Em tom entre brincalhão e sério, ele deu recados para os ministros: Fernando Haddad tem sua confiança, mas precisa compreender que os juros têm de baixar; Alexandre Silveira tem de entender que quem vai ditar a linha na relação do governo com a Petrobras é ele; Rui Costa precisa deslanchar os projetos estruturantes do governo, e Camilo Santana é muito calmo, muito tranquilo, mas precisa ser mais vocal.

 

Lula tem pressa de avançar. Mas, diante da dificuldade de desenrolar (verbo que dá nome a um dos poucos programas novos, mas que ele próprio reconheceu que está enrolado) as novas iniciativas, tratou de lembrar a terra arrasada deixada por Bolsonaro em termos de democracia, direitos, saúde, educação e meio ambiente, entre outras áreas. Não é pouca destruição para listar, e essa é a parte de inegável oxigenação da vida nacional vivida nesse início de 2023.

 

Mas ele sabe que apenas confrontar o legado bolsonarista não rende expansão de seu apoio na sociedade ou no Congresso nem uma narrativa para apresentar ao término de quatro anos. Sobretudo se a economia for um entrave. Por isso, de novo, a principal cobrança de Lula ficou em retomada de crédito e de investimentos públicos, dois projetos complexos, que, para decolarem, não dependem 100% do governo ou de vontade política, por mais que ele diga que vai continuar falando nisso.

 

Chamou a atenção no balanço de cem dias a ausência completa de menções aos militares. Um dos pontos nevrálgicos da troca da guarda no poder é justamente o fato de que as relações com as Forças Armadas começaram com o pé esquerdo e ainda não fluem 100%. O silêncio de Lula, inclusive sem críticas ou cutucões nos militares, foi saudado como positivo por auxiliares que se preocupam em destensionar o ambiente.

 

Por fim, ficou evidente que o presidente quis dar um choque de urgência na sua equipe. Depois de aumentar consideravelmente a Esplanada, Lula sabe que tem um time heterogêneo, formado por gestores experientes em pastas espinhosas, outros com mais tendência a atuarem como youtubers, dada a militância anterior à nomeação e à falta de dinheiro das pastas, e muitos que demonstram ansiedade de mostrar serviço inversamente proporcional à habilidade política ou mesmo ao domínio técnico das áreas para as quais foram nomeados. Esses renderam alguns dos episódios mais desgastantes dos três primeiros dias, com o primeiro lugar indubitável para Carlos Lupi e a lambança dos juros do crédito consignado para beneficiários do INSS.

 

A volta da viagem à China parece ser, para Lula, o marco zero das novidades de seu terceiro mandato. Esse lembrete vale para o Desenrola, programa que ele espera lançar no retorno, e para outros anúncios, como o de obras, a respeito do qual havia uma expectativa de que fosse deflagrado nesta segunda-feira, mas que não fez parte do balanço -- o que contribuiu para a falta completa de novidade na longa solenidade.

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