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Governo Lula usa modelo sem transparência para repasses indicados pelo Congresso

Por Daniel Weterman e Felipe Frazão / O ESTADÃO

 

BRASÍLIA - No toma lá, dá cá com o Congresso, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai começar a transferir bilhões de reais do caixa federal para aumentar a base de apoio, sem qualquer transparência. O Palácio do Planalto elaborou um modelo de negociação que mantém em segredo o nome dos parlamentares que definirão para onde vão os recursos públicos que ficam sob controle dos ministérios, retomando uma prática amplamente adotada no orçamento secreto pelo orçamento secreto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.

 

No começo do mês, três ministros do governo assinaram portaria para estabelecer como vai ser o processo de pagamento de emendas parlamentares – verbas indicadas por deputados e senadores para suas bases eleitorais e repassadas pelo Executivo em troca de apoio político no Legislativo.

 

O documento não estabelece nenhuma medida para tornar público quem serão os congressistas atendidos pelas verbas controladas pelo governo. Além disso, Lula vetou uma proposta que identificava parte dos recursos de maior interesse dos parlamentares e permitia um nível de acompanhamento dos repasses.

 

Parte do montante é o espólio do orçamento secreto, derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Inclui ainda outras verbas incluídas pelos parlamentares no Orçamento de 2023. No total, Lula terá até R$ 100 bilhões para negociar, dos quais R$ 16 bilhões foram incluídos na peça orçamentária a pedido de representantes do Centrão, que pressionam Lula a liberar o dinheiro.

 

São verbas para bancar, por exemplo, pavimentação de ruas, construção de rodovias, compra de tratores e manutenção de postos de saúde. Como o Estadão revelou, durante o funcionamento do orçamento secreto, parlamentares escolhidos a dedo pelo governo Bolsonaro promoveram compras com indícios de sobrepreço, contratação direcionada de empresas de amigos e familiares dos políticos e concentração de recursos em redutos do Centrão. Em dezembro, o Supremo declarou o orçamento secreto inconstitucional.

 

Parte da premissa do orçamento secreto foi ressuscitada na portaria assinada pelos ministros Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). O documento entregou a Padilha o poder de centralizar a negociação com o Congresso de verbas controladas diretamente pelo Executivo, sem necessidade de equidade na divisão dos recursos ou transparência na indicação.

 

A fonte dos recursos é o dinheiro que alimentou o esquema de Bolsonaro, mas que fora transferido para outra rubrica orçamentária, chamada de RP2 – antes era RP9.

 

Com Bolsonaro, a negociação sobre quem teria acesso ao dinheiro estava exclusivamente nas mãos de um grupo de parlamentares, entre eles o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Agora, a decisão terá de passar pela pasta de Padilha. O que não significa que Lira perdeu força. Como comanda a pauta da Câmara e do Centrão, as negociações passarão obrigatoriamente por ele.

 

O Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, por exemplo, tem R$ 2 bilhões para obras, que vão desde a compra de tratores até a pavimentação de ruas. Os parlamentares escolhidos pelo governo Lula poderão dizer em que cidade irão aplicar os recursos como “pagamento” por votarem a favor do governo. Também foram reservados R$ 54 milhões para abastecimento de água no sertão de Alagoas, reduto de Lira.

 

A procuradora Élida Graziane, do Ministério Público de Contas de São Paulo, disse que a portaria do governo Lula restabelece o orçamento secreto.

 

‘Continuidade’

 

“Não vejo uma mudança de um modelo para outro, eu vejo uma continuidade, com um regime híbrido para frustrar a decisão do Supremo e manter tudo exatamente igual”, afirmou a procuradora. “Há uma fortíssima tendência de a execução repetir o que foi o orçamento secreto, que é liberar o dinheiro sem aderência ao planejamento, de forma discriminatória, sem transparência em relação aos beneficiários e escolhendo o beneficiário sem nenhum filtro”.

O Supremo declarou o orçamento secreto inconstitucional por se tratar de um esquema sem transparência, sem planejamento, que concentrou recursos em redutos eleitorais sem equilíbrio regional e envolveu desvios. Lula criticou o mecanismo durante a campanha eleitoral, classificando o modelo como uma “excrescência”.

Em resposta ao Estadão, a assessoria de Padilha afirmou que a destinação dos recursos para a rubrica RP2 segue uma decisão do Congresso “em conformidade com o padrão da Lei Orçamentária adotada há muitos anos”. O governo prometeu dar transparência aos atos, mas, questionado pela reportagem, não apontou onde o cidadão poderá consultar os nomes dos parlamentares beneficiados pelos recursos.

“Até o momento, ainda não houve empenho de nenhum valor nessa rubrica. No futuro, ao serem empregados, esses recursos cumprirão critérios técnicos e seguirão absolutamente todos os padrões de transparência da administração pública, com relação a proponentes, órgãos federais envolvidos e ritmo de execução e de liberação de recursos”, destacou Padilha.

O Planejamento, comandado por Tebet, disse que os ministérios não são obrigados a seguir a indicação de parlamentares para as verbas do RP2. Questionado como será dada transparência e como garantir que a negociação não repita o orçamento secreto, a pasta respondeu: “As dotações classificadas com RP2, oriundas ou não de emendas, são executadas pelos órgãos sem o requisito de observância de indicações parlamentares, recaindo sobre o órgão a gestão da execução da despesa”.

Veto

 

Outra medida que reduz a transparência foi a decisão de Lula de vetar uma proposta na Lei Orçamentária Anual (LOA) que separava os recursos autorizados pelo Congresso após a aprovação da PEC da Transição em uma fonte específica. Na prática, a medida colocava uma “digital” nas verbas e permitia um mínimo de acompanhamento do caminho do repasse.

Agora, a gestão petista misturou as programações às demais despesas que estão sob controle do Palácio do Planalto, tornando impossível identificar o que é recurso direto do governo e o que é liberação para atender a interesse de aliados. O Executivo argumentou que a “digital” colocada pelo Congresso não cumpria o objetivo de identificar tecnicamente a fonte do recurso para bancar as despesas.

Para entender: a distribuição de verbas para congressistas

Governo Bolsonaro

  • Recursos do orçamento secreto eram carimbados como emenda de relator-geral (RP9) e liberados pelos ministérios conforme pedido de parlamentares aliados
  • Quem definia os beneficiados e a divisão interna era cúpula do Congresso, com controle maior do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL)
  • Os nomes dos parlamentares contemplados foram mantidos em segredo, assim como os critérios para a distribuição dos recursos
  • Em 3 anos, governo Bolsonaro liberou R$ 45 bi do orçamento secreto para atender aliados em troca de apoio político no Congresso

Governo Lula

  • O Executivo define o pagamento da maior parte dos recursos para investimentos e manutenção dos órgãos públicos, com o carimbo das despesas discricionárias (RP2)
  • Foi criado um modelo de repasse da verba concentrando a negociação no gabinete do ministro Alexandre Padilha, que receberá as indicações de parlamentares
  • Governo não é obrigado a atender os parlamentares na hora de destinar a verba, mas é pressionado a liberar conforme a indicação de deputados e senadores
  • Não há nenhum instrumento para dar transparência a essas indicações
  • Lula terá R$ 100 bi para gastar livremente e atender aliados, incluindo espólio do orçamento secreto, recursos negociados na PEC da Transição e verba para novatos

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