Afagos de Lula à esquerda irritam aliados da frente ampla
Por Sérgio Roxo, Jeniffer Gularte e Alice Cravo — Brasília / O GLOBO
Declarações recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que criticou o Banco Central, tem tratado o impeachment de Dilma Rousseff como “golpe” e defendeu o uso do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para financiar obras no exterior, provocaram incômodo na frente ampla de apoio ao governo, tratada pelo petista durante a campanha como fundamental para o sucesso de sua gestão. O discurso agrada à base mais fiel do titular do Palácio do Planalto, mas gera críticas entre aliados do centro à esquerda, como PSD, PSB, MDB e Cidadania.
Parte deles levou o descontentamento a Lula na quarta-feira, durante a reunião do Conselho Político da coalizão, composto por representantes de legendas que integram a atual administração, no Planalto. O presidente do Cidadania, ex-deputado Roberto Freire, foi um dos que se manifestaram na ocasião.
— Eu estive com o presidente e coloquei muito claramente que temos divergências. Os juros estão na estratosfera, e isso é um problema, mas nós defendemos a autonomia do Banco Central — disse.
O BC tornou-se alvo ao longo da última semana. Nesse período, Lula questionou a taxa de juros de 13,75% e a independência do banco. Ele também atacou diretamente o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, nomeado para o posto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
— Quero saber do que serviu a independência do Banco Central. Eu vou esperar esse cidadão (Roberto Campos Neto) terminar o mandato dele para fazermos uma avaliação do que significou o Banco Central independente — disse o petista na segunda-feira.
Polêmicas desnecessárias
Aliados também desaprovam o fato de Lula ter voltado a classificar o impeachment de Dilma como “golpe de Estado”, durante a viagem do petista à Argentina no final do mês passado. A frase de Lula reverberou em diferentes partidos da base. No MDB, Michel Temer, que assumiu a Presidência da República com a queda de Dilma, rebateu o petista. “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece insistir em manter os pés no palanque e os olhos no retrovisor, agora tentando reescrever a História por meio de narrativas ideológicas”, criticou, por meio de nota.
No PSD, que tem três ministérios (Minas e Energia, Agricultura e Pesca), tanto o discurso do golpe quanto os ataques ao Banco Central são malvistos.
— O presidente Lula nesses primeiros dias tem demonstrado, em relação à economia, que quer dar uma guinada. Isso é muito perigoso — disse o presidente do partido, Gilberto Kassab, na semana passada, em entrevista ao portal UOL.
Embora tenha por objetivo afagar a sua base mais à esquerda, as afirmações de Lula encontraram descontentes até nas legendas desse campo, entre elas o PSB, sigla do vice-presidente, Geraldo Alckmin, e um dos partidos mais afinados ao PT. Lideranças da sigla dizem que a trincheira aberta contra o BC e Campos Neto, assim como a classificação do impeachment como golpe são desnecessárias.
Dias depois de disparar contra a maior autoridade monetária do país, Lula saiu em defesa de uma das iniciativas mais criticadas dos governos petistas: o financiamento pelo BNDES de obras públicas em outros países, como Cuba e Venezuela. Ele aproveitou a cerimônia de posse de Aloizio Mercadante como presidente do banco de desenvolvimento, na segunda-feira, para dizer que a instituição foi “vítima de difamação muito grave” durante a campanha. A declaração também pegou mal entre governistas.
Ao longo da campanha eleitoral, o então candidato petista buscou demonstrar que governaria acompanhado de políticos de diferentes matizes ideológicos. À época, chegou a dizer que seu terceiro mandato não seria um “governo do PT”. Ao tomar posse, em 1º janeiro, ele defendeu a união e a formação de uma frente ampla, dias depois de ter anunciado um ministério com representantes de nove partidos.
Estratégia mantida
Apesar dos sinais de incômodo já terem sido enviados ao Palácio do Planalto, Lula não deve baixar o tom das investidas, sobretudo as que miram o Banco Central. Interlocutores do presidente admitem o temor diante da possibilidade de um tensionamento constante, caso a instituição não indique que vá baixar a taxa básica de juros. Nesse cenário, Lula continuará fazendo pressão pela mudança na política monetária, dizem aliados.
Integrantes do PT engrossaram o coro na tentativa de tirar o correligionário do foco. Essa ala busca reforçar a tese de que a atual política de juros tende a comprometer o crescimento econômico do país.
— Não podemos confundir autonomia com independência. O BC não é independente da política econômica do governo — afirma o deputado federal Rui Falcão (PT-SP).
Outro ponto que desagradou integrantes da frente ampla foi a discussão sobre uma moeda comum entre os países do Mercosul. Lula assinou uma carta com o presidente da Argentina, Alberto Fernandéz, anunciando estudos para implementá-la. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, teve que explicar que a ideia era ampliar os mecanismos que facilitassem o comércio entre os dois países e não criar uma moeda.