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Lula confronta ricos e pobres ao menos 8 vezes após eleição e ignora promessa de reconciliação

Por Davi Medeiros / O ESTADÃO

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao tomar posse em 1.º de janeiro, destacou a “necessidade de unir o País” e ressaltou que “não existem dois Brasis”. No entanto, desde a campanha eleitoral e nas semanas que se seguiram à chegada ao poder pela terceira vez, o chefe do Executivo fez uma série de declarações nas quais sugere a disputa entre grupos antagônicos na sociedade, tanto nas preferências políticas quanto em relação a classes sociais. Foram ao menos oito falas em que o petista invocou a ideia de confronto.

 

No mais recente discurso, nesta segunda-feira, 6, no Rio, Lula afirmou que a invasão às sedes dos três Poderes, em 8 de janeiro, foi obra dos “ricos que perderam as eleições”. Em outras ocasiões, o petista disse que o País tem muita tolerância com os “ricos”, que sonegam impostos; que as responsabilidades fiscal e social são antagônicas “por causa da ganância das pessoas mais ricas”; e que empresários “não trabalham”.

 

Em seus primeiros governos, era notável a constância com que o ex-líder sindical discursava contra as “elites”, muitas vezes vinculadas, naquela época, à figura do PSDB, então principal adversário político do PT. Em 2009, o petista afirmou que as eleições do ano seguinte seriam “nós contra eles”, referindo-se ao tucano José Serra. Em 2010, Lula conseguiu fazer sua sucessora, a petista Dilma Rousseff, cassada pelo Congresso em 2016.

 

Segundo a especialista em estratégias para campanhas eleitorais e CEO do instituto de pesquisa Ideia, Cila Schulman, as falas do petista não contribuem para a ampliação de seu eleitorado durante o mandato. Para ela, Lula corre o risco de repetir o erro do antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que falava somente à base mais fiel e acabou derrotado nas urnas.

 

Segundo Cila, não se pode afirmar que o extremismo seja um movimento atrelado aos “ricos”. Empresários figuram na lista de presos da Operação Lesa Pátria, que apura as responsabilidades pelos atos golpistas em Brasília, mas um dos personagens marcantes da invasão às sedes dos três Poderes foi o mecânico goiano Antônio Cláudio Ferreira, que destruiu um relógio que pertenceu originalmente a d. João VI.

 

“Não se trata de uma guerra de ricos contra pobres, mas de um posicionamento político que surgiu mais fortemente desde a Lava Jato e que reúne desde motoristas de aplicativo, pessoas da periferia que frequentam igrejas evangélicas, pequenos comerciantes e até quem trabalha na Faria Lima”, afirmou Cila. “O antipetismo radicalizado está instalado em todos os segmentos sociais, não apenas nas classes mais altas. Este é um desafio para o novo governo.”

 

Embora Lula agora invoque o conflito entre ricos e pobres, economistas e empresários da elite brasileira acenaram ou declararam apoio ao petista para derrotar Bolsonaro, como Horácio Lafer Piva (Klabin), João Nogueira Batista (Braskem) e Carlos Ernesto Augustin (agronegócio). No sábado, 4, durante o evento Brazil Conference em Lisboa, o presidente da Federação Brasileira de Bancos, Isaac Sidney, afirmou que o setor bancário está disposto a colaborar com o governo e já abriu diálogo com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

 

O cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, afirmou que, historicamente, fatores socioeconômicos são, de fato, uma clivagem relevante para compreender a configuração política do Brasil. “Isso não significa que os eventos políticos todos devem ser enxergados sob essa ótica, e muito menos que o papel do presidente seja o de fazer uma retórica política reforçando esses conflitos e essas visões de classe”, disse.

 

Pesquisas eleitorais de 2022 mostraram que Lula e outros candidatos do PT têm melhor desempenho entre os mais pobres, enquanto nomes associados à direita se saem melhor entre quem tem mais renda. No entanto, Lula obteve 50,9% dos votos válidos e Bolsonaro, 49,1%, o que afasta a afirmação de que somente ricos aderiam ao projeto bolsonarista e de que os pobres abraçaram o petismo. Cidades ricas foram determinantes para a vitória de Lula – em São Paulo, o petista venceu com 53,54% dos votos, inclusive em bairros com alta renda como Pinheiros, Perdizes e Vila Mariana, e, em Porto Alegre, foram 53,5% dos votos.

 

“Me parece que a referência (de ricos contra pobres) mais prejudica do que ajuda no entendimento dos atentados de 8 de janeiro, e esse discurso pouco contribui para o desempenho da sua administração”, afirmou Cortez. O cientista político alertou, nesse contexto, que as chamadas “pautas morais” ganharam força nos últimos anos, afastando ainda mais o fator de renda como exclusivo na formação do antipetismo.

 

Críticos do PT não somente são das classes mais abastadas, mas também religiosos, inclusive pobres, que não se identificam com a chamada agenda progressista do partido, como a defesa pela ampliação do aborto legal. “A clivagem ‘evangélico/não evangélico’ passou a ganhar força no mundo político, a gente agora olha as pesquisas e tem várias evidências de que evangélicos têm preferências políticas particulares”, disse Cortez.

 

“Quando se reúnem os presidentes dos países ricos, as pessoas pobres não existem.” (17/11/2022)

“Se eu compro comida é gasto, se compro para o pobre é gasto, se coloco dinheiro na saúde é gasto, na educação é gasto. A única coisa que não é tratada como gasto neste país é o dinheiro que a gente paga de juros para o sistema financeiro.” (12/1/2023)

“A responsabilidade fiscal e a responsabilidade social são antagônicas por causa da ganância das pessoas mais ricas. O empresário não ganha muito dinheiro porque ele trabalhou. Ganha muito dinheiro porque os trabalhadores dele trabalharam.” (18/1/2023)

“Vamos mudar a lógica. Vamos diminuir para o pobre e aumentar para o rico.” (18/1/2023)

“Mas, se o País tem tanta tolerância com os ricos que devem neste país, por que a gente não tem a compreensão de que um jovem que se formou pode pagar sua dívida?” (19/1/2023)

“Quem sonega não é trabalhador, porque deles é descontado no holerite. O Brasil tem milhões de pessoas que dão o cano na Previdência, que não pagam os impostos, e essa gente deve quase R$ 2 trilhões.” (19/1/2023)

“Tem de colocar o pobre no Orçamento e o rico, no Imposto de Renda.” (Diversas ocasiões)

“Porque o que aconteceu no Palácio do Planalto, no Palácio da Alvorada (sic), na Suprema Corte e no tribunal (sic) foi uma revolta dos ricos que perderam as eleições.” (6/2/2023)

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