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Documentos do governo Bolsonaro contradizem versão de Lula sobre calote da Venezuela

Por Malu Gaspar / o globo

 

Ao defender na última segunda-feira os empréstimos do BNDES a países da América Latina durante as as gestões petistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que Venezuela e Cuba não pagaram suas dívidas porque Bolsonaro "deixou de cobrar para ficar nos acusando".

 

No discurso de Lula, feito na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante, o presidente afirmou ainda que, em seu governo, "esses países vão pagar, porque são todos países amigos do Brasil".

 

Nenhuma das duas afirmações confere.

 

A primeira inadimplência da Venezuela com o Brasil ocorreu em setembro de 2017, ainda durante o governo Temer, quando o país deixou de pagar uma parcela de US$ 262 milhões de empréstimos feitos para obras da Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa.

 

Desde então, as parcelas em aberto da dívida, de US$ 1,5 bilhão (o equivalente a R$ 7,7 bilhões em valores de hoje) vem sendo cobradas a cada três meses.

 

Conforme documentos obtidos pela coluna em dezembro, Bolsonaro manteve as cobranças frequentes – só que, como havia rompido relações com o regime de Nicolás Maduro, passou a cobrar do autoproclamado presidente Juan Guaidó, que ao ser reconhecido por mais de 50 países, inclusive os Estados Unidos, assumiu o controle de diversas contas e reservas do governo da Venezuela no exterior.

 

As cartas foram enviadas à representação da Venezuela no Brasil, na época chefiada por Maria Teresa Belandria, nomeada por Guaidó, pela Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia. Mas o governo interino, embora fosse "amigo" de Bolsonaro, também não pagou nenhuma parcela da dívida.

 

Na carta mais recente a qual a equipe do blog teve acesso, datada do dia 21 de novembro, as pendências da Venezuela com o Brasil somavam US$ 1.114.502.940,35, mais de R$ 6 bilhões em valores atuais.

 

Os contratos de empréstimos do BNDES para obras e serviços de firmas brasileiras estabelecem que, se o país estrangeiro não honra os pagamentos, o Tesouro cobre a dívida e depois passa a cobrar o país diretamente.

 

No caso da Venezuela, os números do BNDES mostram que o contribuinte brasileiro já pagou R$ 6 bilhões de reais por esses contratos.

 

Muitos deles custearam obras que nunca ficaram prontas, como três linhas do metrô de Caracas e uma do metrô de Los Teques.

 

O estaleiro de Alba, que não foi concluído, e a renovação da Siderúrgica Nacional, da Andrade Gutierrez, também foram financiados pelo banco de fomento.

 

Segundo as confissões de executivos da Odebrecht aos procuradores da Lava-Jato e ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, esses contratos renderam generosas propinas para membros dos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

 

Só pelo contrato da linha 5 do metrô de Caracas foram pagos ​US$34 milhões.​

 

No caso da Andrade Gutierrez, os executivos disseram ter pago também propina de 1% do valor do financiamento ao PT, por meio do ex-tesoureiro João Vaccari.

 

Já no caso de Cuba, citada por Lula no discurso no BNDES, apesar da narrativa bélica de Bolsonaro contra o país e o regime socialista, não houve ruptura diplomática formal entre as duas nações.

 

Na campanha eleitoral, Lula chegou a admitir que muitos dos países contemplados não pagaram suas dívidas em entrevista ao apresentador Ratinho. “Todo mundo paga, você pode ter dificuldade aqui ou ali, mas todo mundo paga”, declarou o petista na ocasião.

 

No caso da Venezuela, vai ser preciso mais do que amizade para o Tesouro brasileiro recuperar o dinheiro.

 

 

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