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Bolsonaro parou de cobrar dívida de Cuba e Venezuela para nos acusar do calote no BNDES, diz Lula

Por Vinicius Neder, Denise Luna, Gabriel Vasconcelos e Rayanderson Guerra / O ESTADÃO

 

RIO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender nesta segunda-feira, 6, a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento ao comércio exterior, incluindo obras em outros países. Ele também culpou a gestão Bolsonaro por atrasos no pagamento de dívidas de países com a instituição. O tema, um dos mais polêmicos das gestões anteriores do PT no BNDES, já tinha voltado à tona duas semanas atrás, quando Lula, em sua primeira visita oficial ao exterior, sugeriu que o banco de fomento deveria financiar a construção de um gasoduto na Argentina.

 

Desta vez em discurso na sede do próprio BNDES, no Rio, Lula defendeu a instituição de fomento de críticas sobre essa política. Segundo o presidente, o banco de desenvolvimento brasileiro nunca deu dinheiro para países amigos de seus governos, e, sim, financiou operações de empresas brasileiras nesses países.

 

Segundo Lula, a versão de que o banco perdeu dinheiro no passado ao emprestar a países afinados ideologicamente com o PT é mais uma das mentiras contadas sobre o BNDES nos últimos anos. Na lista, ele acrescentou a propalada “caixa-preta”, ou seja, a falta de transparência sobre as operações, e o privilégio a grandes empresas, as chamadas “campeãs nacionais”.

 

“Este banco (o BNDES) foi vítima de difamação no último processo eleitoral. Vivemos em um momento em que as narrativas valem mais do que as verdades. O BNDES nunca deu dinheiro para país amigo do governo”, discursou Lula, na cerimônia de posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante. “O BNDES financiou serviços de engenharia de empresas brasileiras em nada menos do que 15 países da América Latina e do Caribe”, continuou o presidente.

 

Lua então citou os dados públicos do BNDES sobre sua carteira de financiamentos à exportação de serviços de engenharia, ou seja, a obras em outros países. Desde fins da década de 1990, o banco de fomento liberou US$ 10,5 bilhões para financiar 86 obras tocadas por construtoras brasileiras em 15 países. Até o terceiro trimestre do ano passado, o BNDES recebeu de volta US$ 12,8 bilhões, com juros e correção, e já incluindo as indenizações por calotes. Em torno de US$ 1 bilhão está registrado como calote de Venezuela, Cuba e Moçambique. Além disso, o banco ainda tem US$ 946 milhões a receber.

 

“O fato é que essas operações deram lucro, além de gerar emprego no Brasil. Os países que não pagaram foi por que o governo anterior cortou relações e parou de cobrar para ficar nos acusando. No nosso governo, eu tenho certeza que pagarão porque são países amigos do Brasil”, afirmou Lula, no discurso desta segunda-feira.

 

Dos US$ 10,5 bilhões em financiamentos a obras no exterior, Angola foi o país que mais recebeu empréstimos – e já pagou tudo de volta. A Argentina foi o segundo país que mais recebeu – e ainda tem uma parcela final de US$ 29 milhões para pagar de volta. Empreiteira com mais contratos no exterior, a Odebrecht, que praticamente desapareceu após ser atingida em cheio pela Lava Jato, ficou com US$ 7,984 bilhões, 76% do total.

 

Críticas

Os empréstimos para as obras no exterior viraram alvos de críticas quando, no primeiro mandato de Dilma Rousseff (PT), o governo impôs sigilo aos financiamentos para Angola e Cuba, alegando “segredo comercial” e questões “estratégicas”, como revelou a Folha de S.Paulo em abril de 2013. Em junho de 2015, o Estadão revelou as condições do empréstimo de US$ 249,6 milhões para a República Dominicana custear as obras da Represa de Montegrande, a cargo da Andrade Gutierrez, com condições melhores do que as de mercado, conforme a avaliação de especialistas à época.

Como mostrou o Estadão há duas semanas, especialistas avaliam que a estratégia de financiar o comércio exterior, obras inclusive, não é o problema, mas é preciso atenção às regras na hora de fazer isso. Presidente do BNDES na maior parte do governo Jair Bolsonaro (PL), Gustavo Montezano criticou a governança dessa política, em entrevista ao Estadão, ainda em 2019.

Para o executivo, houve rebaixamento da nota de risco de crédito sem critérios técnicos. Segundo Montezano, a edição da uma resolução da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão interministerial que define políticas comerciais, em 2003, primeiro ano do primeiro governo Lula, foi determinante para impulsionar essas operações. A Camex define as condições dos financiamentos ao comércio exterior que tem aval do FGE, o fundo garantidor desse tipo de operação que é formado com recursos do governo. Como os empréstimos do BNDES têm esse aval, o risco para o banco é reduzido – em caso de calote, quem paga é o FGE.

Embora Lula tenha dito, nesta segunda-feira, 6, que não houve empréstimos para países amigos, algumas operações tiveram aprovadas na Camex condições excepcionais, mais vantajosas. Foi o caso do financiamento às obras do Porto de Mariel, em Cuba.

Apesar das polêmicas, os serviços de engenharia respondem por apenas pouco mais de 10% do total já liberado pelo BNDES para o financiamento ao comércio exterior, trabalho que a instituição de fomento começou a fazer nos anos 1990. No acumulado desde então, os valores chegaram, no ano passado, a US$ 100 bilhões.

A maior parte do crédito total financiou exportações de manufaturados para os vizinhos da América Latina e para os Estados Unidos, mercados onde a indústria brasileira tem mais competitividade. O destaque é a Embraer, que recebeu em torno de US$ 25 bilhões em empréstimos – a fabricante de aeronaves é a segunda maior cliente histórica do banco, atrás apenas da Petrobras. O BNDES já financiou a compra de 1.275 aviões pelos clientes da empresa.

Mercadante

Em seu discurso de posse, nesta segunda-feira, 6, proferido antes de Lula falar, Mercadante também defendeu a atuação do BNDES como “eximbank”, financiando o comércio exterior. Enquanto o presidente da República colocou ênfase nos empréstimos para as obras, Mercadante, por sua vez, foi cuidadoso ao restringir o financiamento ao comércio exterior ao apoio do BNDES à indústria, ou seja, focado nas exportações de bens.

“Uma dimensão estratégica para o desenvolvimento são as exportações. O Brasil é a fazenda do mundo, mas não pode ser só a fazenda. Produtos industriais de alto poder agregado são importantes”, afirmou Mercadante, citando os financiamentos à Embraer como um caso de sucesso. “O BNDES deve apoiar o pré-embarque e o pós-embarque das exportações de produtos”, completou o novo presidente do BNDES.

Após as declarações de Lula na Argentina sobre o financiamento da obra de um gasoduto para transportar gás natural produzido no campo de Vaca Muerta, o BNDES divulgou uma nota para esclarecer que não havia demanda para financiar “serviços de infraestrutura” no exterior. Na nota, o BNDES não menciona o projeto na Argentina, mas ressalta que há esforços “no sentido de alavancar a exportação de produtos e bens produzidos no Brasil, gerando emprego e renda em nosso país e fortalecendo a integração regional das cadeias produtivas com escala, competitividade e valor agregado”. Nesse caso, o banco poderia financiar a exportações de materiais usados na construção do gasoduto, mas a obra em si, não.

Lula disse que o BNDES não emprestou para países amigos do PT, mas algumas das operações para financiar as obras do Porto de Mariel, em Cuba, tiveram condições excepcionais aprovadas pela Camex, órgão que reúne ministérios ligados ao comércio exterior
Lula disse que o BNDES não emprestou para países amigos do PT, mas algumas das operações para financiar as obras do Porto de Mariel, em Cuba, tiveram condições excepcionais aprovadas pela Camex, órgão que reúne ministérios ligados ao comércio exterior Foto: Rodrigo Cavalheiro/Estadão - 26/12/2014

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