Proposta de economistas da transição substitui teto de gastos por meta
Alexa Salomão / FOLHA DE SP
Substituir o teto de gastos por uma meta de despesas, separando as obrigações correntes de curto prazo (que sustentam o custeio da máquina pública) do gasto com investimentos de longo prazo. Esse é um dos pilares do novo arcabouço fiscal proposto pelo grupo de economistas da transição, que reuniu André Lara Resende, Guilherme Mello, Nelson Barbosa e Persio Arida.
Dos quatro, estão no governo hoje Mello (secretário de política econômica) e Barbosa (diretor do BNDES).
O quarteto entende que o conceito de meta para gastos poderia transportar para a política fiscal princípios que foram bem-sucedidos com o uso do sistema de metas de inflação na política monetária, como previsibilidade e senso de compromisso.
A proposta foi entregue aos integrantes do governo, mas não chegou a ser divulgada. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já disse que o novo arcabouço vai ser debatido com diferentes interlocutores, inclusive com representantes do mercado financeiro. A sugestão do grupo da transição é uma das que estão na mesa.
Dentro do PT, porém, existe um grupo que prefere a volta ao passado. Essa corrente defende que o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retome a lógica de cumprir apenas a meta de resultado primário, retirando da conta investimentos públicos, por exemplo. Se essa ideia prevalecer, todas as sugestões alternativas de novo regime fiscal ficariam na gaveta.
O quarteto de economistas da transição não chegou a definir uma regra formal no relatório final, mas traçou pilares que dão um norte para o arcabouço que consideram mais eficiente.
Segundo relatos ouvidos pela Folha, em princípios gerais o grupo defendeu que um regime fiscal eficiente deve ser transparente e embasado em planos de longo prazo, com mecanismos para impedir gastos perdulários e demagógicos. Deve haver critérios para que o Estado busque eficiência do custeio e seja efetivo na prestação dos serviços públicos, mas sem a rigidez da regra do teto.
O grupo também afirmou que a aplicação dos recursos precisa ser submetida a análises periódicas para que seja possível monitorar custos, benefícios e retornos da aplicação do dinheiro público pelo Estado.
O ponto de partida para a fixação da meta de gastos até poderia ser uma proporção do PIB (Produto Interno Bruto) —o valor registrado para o Orçamento, no entanto, seria nominal e fixo.
Segundo o grupo, seria possível incorporar à construção da meta de gastos alguns princípios do regramento aplicado à antiga meta de resultado primário. Antes do teto, o governo definia o resultado primário para o ano seguinte e fazia projeções para anos subsequentes, oficializando os valores na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
A meta de gasto para o ano seguinte seguiria esse rito e também seria associada a um conjunto de projeções, o que incluiria estimativas de receita, de resultado primário, do pagamento de juros e da dívida.
Também seriam apresentados cenários de gastos para anos seguintes, sem compromisso de cumprimento, mas que serviriam como nortes, baseados em projeções.
O valor anual do gasto seria um parâmetro fixo. Não seria possível gastar mais que o determinado. Em contrapartida, pela proposta, não haveria contingenciamentos. Cada área teria a sua meta de gasto e se planejaria dentro daquele montante.
Há alguns detalhes importantes.
A meta de gasto dos investimentos, ou gasto de capital, mesmo sendo fixada anualmente dentro da meta global de gasto, com projeções para os anos seguintes, seria definida a partir de um plano plurianual de longo prazo,.com metas anualmente revistas de acordo com o espaço de capacidade instalada.
Não seria permitido migrar os recursos de um tipo de gasto para outro —gastar menos em investimentos, por exemplo, para ampliar gastos correntes, e vice-versa.
Os gastos de custeio são integralmente cobertos por receitas tributárias. Dentro desse gastos correntes seria desejável fixar meta de gastos com pessoal, baseada em um plano salarial para os servidores, bem como ter projeções para o efetivo de servidores —uma espécie de planejamento de ações em recursos humanos. Isso evitaria as flutuações de pessoal e os contratempos com demandas por reajustes.
CENÁRIO DE DÍVIDA X GATILHO DA DÍVIDA
O tratamento dado pelo grupo de transição à questão da dívida tem diferenças importantes em comparação a outras propostas de regra fiscal, como as apresentadas pelo Tesouro Nacional, grupo Elas no Orçamento e o economista Felipe Salto.
Elas sugerem que a dívida pode funcionar como gatilho. Ou seja, acima de um determinado patamar de endividamento, o gasto é travado, por exemplo.
O quarteto de economistas não considera o procedimento adequado porque a dívida pública brasileira oscila por razões não fiscais. Pode ser afetada pelo câmbio, por exemplo, que tem oscilado muito.
Entende, na proposta, que a meta de gasto deve considerar uma trajetória de dívida, mas sem usar o valor da dívida como trava.
O novo arcabouço trabalharia com a dívida líquida, como ocorre na maioria dos países. No Brasil, a discussão entre usar dívida líquida ou bruta dentro do regramento fiscal gerou muitos embates, mas a questão já foi pacificada em nível internacional. Recentemente, até a Nova Zelândia, antiga defensora do uso da dívida bruta como parâmetro, adotou a dívida líquida em sua regra fiscal.
Foi considerado importante ter válvula de escape para o caso de a meta de gastos e os cenários serem atropelados por eventos excepcionais, como pandemia, catástrofes climáticas ou crise financeira global. Nesse caso, seria preciso apresentar um plano, prevendo ações e prazos para recuperação da trajetória da meta e dos cenários originais.
Como tratar o resultado primário gerou discussões.
Um dos pontos debatidos foi se seria adequado fixar um intervalo de tolerância para o primário, aplicando condicionantes, a depender do resultado. Se o intervalo fosse rompido, o governo teria de explicar como retomaria a meta, como faz o Banco Central no caso de não cumprimento da meta de inflação.
Também se discutiu qual poderia ser o tratamento em caso de um déficit excessivo. A União Europeia, por exemplo, adota sanções, mas elas foram sendo alteradas ao longo dos anos, à medida que o cenário mudava para os diferentes integrantes do bloco. Seria preciso avaliar as medidas mais adequadas para a realidade brasileira.
NOVO ARCABOUÇO FISCAL PROPOSTO POR GRUPO DE ECONOMISTAS DA TRANSIÇÃO
Como princípio geral, o novo regime fiscal deveria ser flexível, transparente e embasado em planos de longo prazo, com:
- Meta geral de gasto para o ano seguinte, associado a estimativas de receita, de resultado primário, do pagamento de juros e da dívida
- Dentro da meta geral, haveria meta de gasto corrente e meta de gasto de capital (investimentos), definida dentro de um plano plurianual
- Dentro da meta de gasto corrente, por sua vez, deveria haver meta de gasto com servidores, baseada em um plano de recursos humanos de longo prazo
- Haveria cenário para dívida dentro da meta de gasto, mas a dívida não seria gatilho para restrição orçamentária
- Poderia ser fixado um intervalo para a projeção de resultado primário, bem como sanções em caso de descumprimento