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PEC da Transição pode levar dívida pública a bater 90% do PIB no mandato de Lula

Bernardo CaramMarcela Ayres / FOLHA DE SP
BRASÍLIA | REUTERS

PEC da Transição apresentada pelo governo eleito para liberar despesas fora do teto de gastos tem potencial para gerar uma tendência de alta expressiva no endividamento público do país, além de pressionar a inflação e dificultar o trabalho do Banco Central, avaliam analistas ouvidos pela Reuters.

Cenários desenhados por economistas que acompanham as contas públicas apontam que o texto apresentado na quarta-feira (16) pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin pode levar a dívida bruta do governo, hoje em 77,1% do PIB, a 90% ao fim dos quatro anos de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

É o que prevê o diretor de macroeconomia do Goldman Sachs para a América Latina, Alberto Ramos, que estimou um avanço da dívida bruta para 83% a 84% do PIB já no fim do ano que vem. Ele avaliou que esta é uma "tendência preocupante", após a versão da PEC apresentada na véspera ter representado "um começo muito arriscado" para o governo eleito.

Além de tirar o programa Bolsa Família do teto de gastos por prazo indeterminado, num acréscimo de R$ 175 bilhões nas despesas, a PEC também estipulou que parte das receitas decorrentes de eventual excesso de arrecadação será alocada para investimentos públicos, abrindo espaço em 2023 para mais R$ 23 bilhões em gastos, também fora da regra do teto.

 

Os mercados reagiram fortemente nesta quinta-feira (17), com tombo do Ibovespa e alta do dólar, variável que acarreta mais pressão inflacionária sobre a economia.

"Isso reduz a liberdade para o Banco Central gerenciar a política monetária. Na melhor das hipóteses, poderia atrasar a entrega de cortes na taxa de juros, mas no extremo também poderia levar à situação infeliz em que o Banco Central teria que aumentar a Selic novamente", disse Ramos.

O BC deixou a taxa básica de juros estacionada em 13,75% nas suas duas últimas reuniões de política monetária, após 12 altas consecutivas que a tiraram da mínima histórica de 2% em março de 2021. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem defendido enfaticamente a necessidade de equilíbrio fiscal, destacando que o fator é crucial para uma trajetória mais benigna da inflação.

A economista da consultoria Tendências Juliana Damasceno afirmou que a instituição mudou a avaliação do seu cenário macroeconômico de neutro para pessimista após as declarações de Lula na última semana com críticas ao teto e indicando um foco nos gastos sociais em detrimento da questão fiscal.

Como a PEC não prevê um prazo delimitado de vigência para a exceção ao teto, além de não apresentar contrapartidas para esses gastos adicionais, Damasceno também projeta que a dívida bruta do governo atingirá aproximadamente 90% do PIB em 2026.

"É um avanço muito rápido da dívida em um período muito curto e que deteriora as outras condições. A gente começa a ter uma precificação de risco maior, isso bate nos nossos ativos, que acabam depreciando, mexe em juros e em inflação, o que vai demandar uma regra (fiscal) ainda mais rígida", disse.

Se confirmado, este será um forte avanço ante o patamar de 76,2% do PIB esperado para a dívida bruta ao fim deste ano, nos cálculos do Tesouro, número que deverá ser ajudado por uma devolução de recursos do BNDES e pelo expressivo salto na arrecadação em meio à alta de commodities.

No seu pico histórico, a dívida bruta brasileira atingiu 89% do PIB em outubro de 2020, em meio aos vultosos gastos com a pandemia, de acordo com dados do Banco Central.

PIOR QUE OS PARES

A deterioração fiscal também representará um descolamento adicional do Brasil em relação a países emergentes de renda média, que têm dívida bruta ao redor de 65% do PIB segundo o FMI, que utiliza outros parâmetros e já vê a dívida bruta brasileira em 88% do PIB hoje.

A IFI (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado, fez análise preliminar da PEC e trabalha com um cenário de aumento menos drástico de gastos, considerando que o espaço aberto no teto será mais amplo do que a própria capacidade de desembolso do governo.

A economista Vilma Pinto, diretora do órgão, disse que promessas de Lula como o aumento real do salário mínimo e a recomposição de verbas para os programas de merenda escolar e Farmácia Popular devem consumir menos de 10 bilhões de reais do espaço total de 105 bilhões de reais que seria aberto no teto pela PEC.

Ela ressaltou ainda que uma ampliação de obras públicas requer tempo de maturação dos projetos, o que dificulta o gasto imediato dessas verbas. Além disso, a própria PEC já cria uma margem adicional para investimentos, a depender de receitas extraordinárias do governo.

"Estou entendendo que o governo vai, de certa forma, abrir esse espaço para deixar o teto mais flexível. (...) Não quer dizer que ele vá gastar esse espaço todo na largada", afirmou, ressaltando que o órgão ainda finaliza cálculos sobre a projeção da dívida pública, mas que a trajetória será de alta.

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