Perde-se muita água num país carente
12 de junho de 2022 | 03h00
A crescente preocupação mundial com o risco de escassez de água e o acúmulo de dados sobre o desperdício no Brasil da água tratada não têm sido suficientes para mudar uma preocupante tendência dos sistemas de saneamento básico no País. A perda de água nos sistemas de abastecimento cresce há anos e não há sinais de que isso esteja mudando. A produção atual já seria mais do que suficiente para abastecer toda a população brasileira se a rede de distribuição cobrisse integralmente todas as áreas que podem ser atendidas e, sobretudo, se não houvesse tantas perdas.
Em 2016, estimava-se em 38,1% o volume de água tratada que se perdia no processo de distribuição; o índice cresceu e, no ano passado, alcançou 40,1%. São números do levantamento patrocinado pelo Instituto Trata Brasil. A gradual redução desses índices impõe desafios e exigências de maior eficiência ao setor de saneamento básico.
O volume que se perde seria suficiente para abastecer regularmente mais 66 milhões de brasileiros. Como as estatísticas mostram que 35 milhões de pessoas não contam com água encanada nem para lavar as mãos, vê-se que o País já produz mais do que o suficiente para atender 100% da população. Mas não consegue alcançar essa meta por deficiências no sistema de distribuição.
É como se, nessa questão, o País andasse em sentido contrário às exigências crescentes do mundo. Impulsionadas pela percepção da sociedade dos impactos das mudanças climáticas e das incertezas a respeito dos ciclos das chuvas, as autoridades na maioria dos países dedicam atenção especial à poupança e ao uso controlado da água potável.
Desperdícios como os observados no Brasil – maiores do que os de países como Camarões (39,5%), África do Sul (33,7%), Etiópia (29%) e Reino Unido (20,5%) – impõem custos adicionais para todos. Na América Latina, reconheça-se, há países em situação pior do que a do Brasil. Mesmo assim, se o País reduzisse as perdas para 25%, o volume poupado seria suficiente para abastecer cerca de 40 milhões de brasileiros. E, do ponto de vista do impacto ambiental, o volume economizado da água retirada da natureza ajudaria a manter cheios os rios e reservatórios.
O estudo considera como perdas o volume de água produzido que deixa de ser faturado por fraudes na medição ou por vazamentos e outras deficiências da rede de distribuição. A presidente do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto, diz que os novos dados deixam evidente que “não foram implantadas soluções eficientes para resolver a questão”.
Há consequências pesadas. Como lembrou a presidente do Instituto, investem-se bilhões em estações de tratamento de água e de adutoras que não precisariam ser construídas se as perdas fossem reduzidas. Também a meta de universalização do fornecimento de água tratada seria alcançada mais facilmente. E, sobretudo, mais brasileiros passariam a contar com esse serviço essencial para lhes assegurar condições de habitação e de preservação da saúde, sobretudo das crianças, mais condizentes com o século 21.