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Em mais de mil municípios, 3 de cada 4 beneficiários ficam sem ajuda do governo

BRASÍLIA

Mesmo com a expansão do Bolsa Família para dar origem a uma marca social para a gestão de Jair Bolsonaro (PL), a transição para o Auxílio Brasil deixa uma lacuna em muitos municípios do país.

Com o fim do pagamento do auxílio emergencial, criado para amparar a população vulnerável durante a pandemia, cerca de 27 milhões de famílias ficaram sem ajuda do governo, fora do novo programa de transferência de renda.

Esse impacto é observado com força nas cidades que sentiram os efeitos do auxílio emergencial, embora tivessem uma cobertura menor do Bolsa Família. Em 1.036 municípios do país, 75% ou mais da população que teve acesso a algum desses benefícios ao longo de 2021 ficou sem atendimento.

Essas cidades figuram entre aquelas que mais ampliaram a cobertura de assistência social enquanto vigorou o auxílio emergencial.

Nesses municípios, 9,1 milhões de pessoas receberam até outubro as parcelas criadas pelo governo durante a pandemia ou o pagamento do Bolsa Família. Só 1,8 milhão delas, no entanto, tem acesso ao novo programa social criado pelo governo Bolsonaro, com um benefício médio de R$ 409 por mês.

A radiografia da cobertura assistencial de famílias vulneráveis leva em consideração dados do Ministério da Cidadania divulgados na terça-feira (11).

Em janeiro, o governo ampliou de 14,6 milhões para 17,6 milhões o número de famílias atendidas pelo Auxílio Brasil, com benefício médio de R$ 409 por mês. A cobertura ainda fica distante do patamar de 44,6 milhões que receberam o auxílio emergencial ou o Bolsa Família durante a maior parte de 2021.

O Auxílio Brasil surgiu em um contexto de aumento da pobreza no país e de mais procura por assistência social. De janeiro a novembro de 2021, mais de 1,9 milhão de famílias entraram nas faixas de pobreza e extrema pobreza do Cadastro Único (que reúne o público que pode se enquadrar em programas sociais).

A expectativa de técnicos do governo é que esse número seja ainda maior, pois houve uma procura expressiva no fim do ano passado com o encerramento do auxílio emergencial.

Quase 90% dos municípios em que há maior perda de cobertura assistencial são de pequeno ou médio porte, com até 100 mil habitantes. Em Goianira (GO), cerca de 15 mil famílias tiveram acesso aos pagamentos do Bolsa Família e do auxílio emergencial até outubro, mas só 3.469 estão no Auxílio Brasil.

Também há perda expressiva de cobertura em capitais e outras grandes cidades. É o caso de Florianópolis, Cuiabá, Goiânia, Curitiba, Belo Horizonte e Brasília.

Nesses 1.036 municípios, circularam mais de R$ 1,8 bilhão por mês com os pagamentos do auxílio emergencial e do Bolsa Família até outubro de 2021.

Com o Auxílio Brasil, o volume fica em R$ 722 milhões —uma queda significativa na assistência aos mais vulneráveis durante o período em que se busca uma recuperação da economia.

Em Nova Serrana (MG), município de 105 mil habitantes, 23,6 mil famílias tiveram acesso a algum benefício até outubro, mas só 1.576 estão incluídas no novo programa do governo.

O secretário municipal de Desenvolvimento Social, Gustavo Amaral, afirma que, por causa da pandemia e da crise econômica, houve aumento na procura por programas de assistência na cidade. A demanda por inscrições no cadastro do Auxílio Brasil foi um sinal do aumento da pobreza.

"Quem quer entrar no Cadastro Único hoje precisa agendar entrevista para março. Além disso, nem todas as pessoas cadastradas conseguem entrar no programa. Tem fila de espera para receber o benefício", diz Amaral.

Nova Serrana é uma cidade industrial, com forte atuação no ramo calçadista. Por causa da exigência por qualificação, parte dos moradores do município tem dificuldade de encontrar emprego na região, o que agrava o quadro.

Para Luciana Leão, professora-assistente e pesquisadora da Universidade de Michigan, a transferência de renda, que visa dar o suficiente para as famílias se alimentarem, é o primeiro passo do combate à pobreza.

"Os empregos no Brasil ainda são muito frágeis. Nas cidades do interior, mesmo com o crescimento do consumo por causa do auxílio emergencial, a família extremamente pobre dificilmente conseguiu se beneficiar de um impulso na atividade econômica", afirma Leão, que é especialista no combate à pobreza.

A região Sul concentra mais da metade das cidades com perda significativa de cobertura assistencial. São 564 municípios em que 75% ou mais dos antigos beneficiários estão sem pagamentos.

Os três estados da região enfrentam esse desequilíbrio porque tiveram um aumento considerável de beneficiários durante a vigência do auxílio emergencial. No entanto, boa parte da população não se enquadra nos requisitos do Auxílio Brasil.

O ministro da Cidadania, João Roma, afirmou à Folha que não é possível comparar o número de beneficiários por causa das características de cada programa. Ele apontou que Bolsa Família e Auxílio Brasil são programas de superação da pobreza, enquanto o auxílio emergencial foi uma resposta a uma calamidade.

"O foco do governo [com o Auxílio Brasil] são as pessoas mais necessitadas. Não se pode estruturar um programa desses em um período posterior ao pagamento do auxílio emergencial sem critérios definidos", disse o ministro.

Roma destacou que o auxílio emergencial fez pagamentos de R$ 350 bilhões, enquanto o orçamento do Auxílio Brasil para 2022 é de cerca de R$ 90 bilhões.

O ministro disse ainda que o governo trabalha para oferecer uma linha de microcrédito para os brasileiros que não recebem os pagamentos do novo programa e afirmou que espera ampliar o público do Auxílio Brasil para 18 milhões de famílias até março. "É um programa diferente, com elementos transformadores."

Ao elevar o valor médio da transferência de renda, Bolsonaro busca amenizar os efeitos da inflação e pode colher dividendos políticos —uma vez que o patamar anterior do Bolsa Família não superava R$ 200 e não era reajustado desde 2018.

A transição, porém, ocorre num cenário em que o país enfrenta baixo crescimento e uma taxa de desemprego que não recuou aos índices registrados no período anterior à pandemia.

Para receber o auxílio emergencial, a renda por membro da família não poderia ultrapassar meio salário mínimo (R$ 550). No caso do Auxílio Brasil, esse limite passou para R$ 210, patamar aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro.

Em Fagundes Varela (RS), município de 2.741 habitantes, 201 famílias receberam o auxílio emergencial ou o Bolsa Família até outubro, mas apenas 8 estão cobertas pelo Auxílio Brasil.

O prefeito da cidade, Nelton Carlos Conte (MDB), diz que a maior parte dos beneficiários do auxílio emergencial era formada por trabalhadores autônomos, que não têm renda estável.

"A população com maior fragilidade econômica e social foi atendida, e eles puderam ter renda [nesses meses de auxílio]. Isso acabou influenciando o encadeamento de demais setores e movimentou a atividade econômica na cidade", diz Conte.

Os demais municípios impactados na troca do auxílio emergencial pelo Auxílio Brasil estão concentrados na região Sudeste (356 cidades) e no Centro-Oeste, onde 92 cidades terão uma redução de 75% ou mais no número de beneficiários.

O impacto é menor no Norte (23 municípios) e no Nordeste (1 cidade). As duas regiões tinham uma cobertura mais abrangente do Bolsa Família, o que permite que boa parte dos beneficiários seja absorvida pelo Auxílio Brasil.

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