Após 3 anos, gestão Bolsonaro tenta efetivar substituto do Mais Médicos
27 de dezembro de 2021 | 05h01
Quase três anos após a posse de Jair Bolsonaro, o governo federal começou a implementar um substituto para o programa Mais Médicos, criado pela gestão petista e que agora deve ser oficialmente encerrado sob forte conotação ideológica. O Médicos pelo Brasil, novo programa de atenção básica em saúde de Bolsonaro, foi lançado em 2019, mas atravessou inoperante a pandemia da covid-19. Os primeiros editais de chamada de municípios foram abertos nas últimas semanas, com previsão de 5 mil vagas para médicos. A estagnação do Mais Médicos e a demora na implantação do Médicos pelo Brasil comprometem a política de interiorização do acesso à saúde, apontam especialistas.
No sudoeste do Pará, a cidade de Rurópolis, de 52 mil habitantes, sentiu os efeitos dessas incertezas. A chegada do Mais Médicos, que aumentou de um para sete o número de profissionais em 2017, resultou num salto nos atendimentos de saúde da família. “Foi o momento em que conseguimos colocar médicos na zona rural”, disse Rosecléia Borges, coordenadora de Atenção Primária em Saúde no município.
Há três anos, porém, a saída dos médicos cubanos do programa e a redução do número de editais deixaram o município com cinco dos sete profissionais que atuavam. As duas vagas abertas nunca foram repostas. A redução deixou desatendidas cerca de dez mil pessoas de duas comunidades rurais a cerca de 60 quilômetros do centro urbano.
Ao todo, no País, são 3.390 vagas sem preenchimento. Segundo o Ministério da Saúde, o 24.º ciclo do Mais Médicos, em andamento, prevê a ocupação de 1.476 postos.
Lançado ainda na gestão do ex-ministro da Saúde Luiz Mandetta, o Médicos pelo Brasil tinha a proposta de substituir gradativamente um programa pelo outro até eliminar o anterior, em 2022. Mas o atraso na efetivação do novo modelo mudou o cronograma.
O último relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre o Mais Médicos é de 2018. Os auditores identificaram inconformidade nos processos de adesão e seleção dos municípios – ou seja, não se priorizou a demanda dos mais vulneráveis. A CGU também apontou que o Ministério da Saúde não corrigiu falhas e provocou prejuízo, com pagamentos antecipados por serviços não executados.
O Mais Médicos atingiu seu auge em 2015, ano em que nele atuavam 18,2 mil profissionais – 11,4 mil deles cubanos. Em novembro de 2018, após a eleição de Bolsonaro – que fez ferrenha campanha contra a presença dos cubanos – Cuba decidiu pela retirada dos profissionais do País. A saída dos estrangeiros deixou 8.157 postos vagos, muitos em áreas de difícil acesso.
Bolsonaro passou a defender que as vagas surgidas fossem ocupadas por brasileiros. Editais para preenchimento das vagas foram lançados com esse objetivo, mas até abril de 2019, 1.052 brasileiros haviam desistido das posições para as quais foram selecionados.
Regime
O Médicos pelo Brasil tem como principal escopo a contratação pelo regime celetista. Prevê uma bolsa inicial de dois anos até a contratação pelo regime da CLT. O salário inicial de R$ 12 mil aumenta de acordo com a progressão na carreira ou atuação em lugar de difícil acesso.
Crítico do Mais Médicos, o Conselho Federal de Medicina (CFM) celebrou a chegada do novo programa. “Se não é o ideal, vem atender o grande problema de alocar médicos nas regiões mais carentes do País”, afirmou em nota, no lançamento do Médicos pelo Brasil.
O professor Mario dal Poz, do Instituto de Medicina Social Hésio Cordeiro, entende que os resultados do programa anterior não justificaram o investimento. “Se você tivesse um melhor diagnóstico, com estudos mais decentes e aprofundados, poderia ter políticas mais sustentáveis”, disse.
Para Nésio Fernandes, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), a contratação pela CLT causará um impacto financeiro muito maior do que a estratégia anterior, com bolsistas. “Isso implicará em limitações de expansão rápida do programa e provimento de médicos para o ciclo”, disse.
A gestão do Médicos pelo Brasil caberá à Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps). O conselho do órgão terá na vice-presidência a secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro, conhecida como ‘Capitã Cloroquina’, cujo indiciamento foi pedido no relatório final da CPI da Covid. A Adaps contratará diretamente as equipes, mas não os gestores locais, e pode celebrar acordos com instituições privadas.
"É uma ruptura absoluta, um descaso contra a institucionalidade”, disse Rosana Campos, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). “Todas as soluções deveriam ser tripartites. O diálogo com secretários estaduais e municipais é imprescindível."