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Neoliberalismo selvagem de Bolsonaro e Guedes

José Nêumanne, O Estado de S.Paulo

27 de outubro de 2021 | 03h00

Apesar de ter participado das maiorias de três quintos da Câmara dos Deputados para depor presidentes legitimamente eleitos pelo povo como ele – Collor e Dilma –, Bolsonaro agora apela à compra do voto popular como argumento de peso para manter a Bic do poder em 2022. Nada surpreendente para um capitão-terrorista que obteve a cumplicidade de oito contra quatro juízes do Superior Tribunal Militar (STM) e foi inocentado num julgamento em que apresentou como provas a seu favor dois laudos sem conclusão. Está escrito no livro O Cadete e o Capitão, de Luiz Maklouf de Carvalho: atestada por dois laudos sua autoria do plano de bombardear quartéis e a adutora do Guandu, a culpa foi negada com base no princípio de Direito romano de que a dúvida inocenta o réu. A decisão estapafúrdia o manteve na dependência do erário para garantir mandatos e foro privilegiado para ele (por 33 anos e dez meses) e três descendentes.

Parlamentar por 30 anos, ele desfraldou a bandeira do aumento de soldo. Na eleição de 2018, agregou à retórica sindicalista a favor de assassinos de farda (excludente de ilicitude, armamentismo e privilégios de carreira) três bandeiras de apelo majoritário nestes oito anos: o antipetismo, o combate à corrupção e o neoliberalismo econômico. Para tanto, teve de incorporar dois estranhos a seu ninho de filhotes amestrados: o ex-juiz Sérgio Moro e o economista, em teoria da escola de Chicago, Paulo Guedes. No projeto de broca sem plantio e ganho sem trabalho, esmerou-se em expelir o acréscimo ao discurso do “se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão” do atual fâmulo general Augusto Heleno, golpista desde o penúltimo governo militar. Sua escalada de traições começou pela substituição na pasta da Justiça do símbolo da Lava Jato por um delegado de estimação da famiglia. Livrando-se de Moro, achou que garantiria o favoritismo em 2022 e facilitaria o adversário ideal para o hipotético segundo turno, Lula.

Mas, em vez da pedra de Drummond, no meio de seu caminho tinha um vírus. E este se encarregou de embaralhar as cartas do buraco. Escolado no papel de camelô de óleo de cobra em feira livre, que treinou com a pílula do câncer e aperfeiçoou com a cloroquina, criou a polarização entre economia e vida, como se produção e consumo dependessem de robôs. A exemplo das redes de intrigas, insultos e mentiras manipuladas pelo filhote zero-dois, Carlos, no “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto, onde este exerce mandato de vereador no Rio.

Em tal mister, contou com a ajuda do economista Paulo Guedes, tido e havido em suas hostes como o introdutor de Moro na cúpula federal. O “Posto Ipiranga” da economia se acostumou a seduzir incautos com a retórica neoliberal da moda para limpar o currículo de serviçal do maior tirano da América Latina em todos os tempos, o general chileno Augusto Pinochet. A dupla fez picadinho do sedutor e fugaz slogan marqueteiro da política tupiniquim, o “mais Brasil e menos Brasília”. Depois dos fuzilamentos do Estádio Nacional, os 606 mil mortos da covid no 17.º mês da pandemia podem ser comparados com balanço de almoxarife.

Na quinta-feira 21, Bolsonaro, em sua descida ao último degrau da infâmia, conforme definiu o relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado, Renan Calheiros, no Nêumanne entrevista, do Blog do Nêumanne no portal do Estadão, condicionou aumento de aidéticos à imunização contra a covid no Reino Unido. No fim de semana, deu a mão ao economista da escola do “não existe almoço grátis” em passeio sem máscaras pela capital federal. Aí Guedes, o solícito, caprichou no falatório: “O presidente não é populista. Ele é popular. É diferente. Ele tem a sensibilidade de saber, olha, chegou a hora que nós temos que atender. Tem brasileiro comendo osso, passando fome. A mídia mesmo ficou falando isso aí três meses, tem brasileiro passando fome, comendo ossos. Como é que um presidente da República vai fazer? Ele fica num difícil equilíbrio”. Foi, assim, criado o neoliberalismo selvagem, que engana o povo fingindo alimentá-lo, ao comprar milhões de votos para garantir a proximidade das tetas da mamata.

Mentir atinge com Bolsonaro o estado da arte. Ao atribuir um surto de aids à imunização na semana em que se vota o relatório da CPI que o indicia em nove crimes, Sua Excelência parte do pressuposto de que qualquer eventual punição será sempre placebo, se comparada com o tamanho de sua perversidade. O Facebook bloqueou sua live. E daí? A CPI o indiciou, mas o procurador-geral da República que ele nomeou duas vezes, Augusto Aras, mandará arquivar o relatório verdadeiro. Os bilhões que compram os votos do Congresso com emendas do relator, o orçamento clandestino e os abomináveis fundos partidário e eleitoral cospem no apelo demagógico do furo do teto de gastos para matar a fome dos desvalidos. O calote infame nos precatórios é a outra face do descontrole inflacionário que tornará ínfimos os R$ 400 do “Auxílio Brasil”, esmola no popular. “Minha modalidade é matar”, avisou o artilheiro. Só não entendeu quem não quis.

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JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

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