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Jabuti em PEC dos precatórios acaba com trava da regra de ouro e libera endividamento

BRASÍLIA

O governo inseriu na PEC (proposta de emenda à Constituição) que parcela precatórios um trecho que autoriza o Executivo a descumprir a regra de ouro das contas públicas sem um aval específico do Congresso. O texto foi entregue nesta segunda-feira (9) ao Legislativo.

Apesar de ser alvo de debates entre analistas de contas públicas, a regra de ouro é uma das principais normas fiscais do país e impede que o governo se endivide para pagar despesas correntes —como salários e aposentadorias.

A regra tem como objetivo evitar que o país financie despesas atuais deixando a fatura para as próximas gerações. Em vez disso, a norma busca direcionar o uso de recursos do endividamento para os investimentos públicos, como obras ou construções de escolas e hospitais —que permanecem ao longo do tempo e, portanto, podem ser usufruídos pelos futuros contribuintes.

Financiar despesas correntes com dívida só pode ocorrer hoje se o Congresso autorizar o direcionamento a finalidades precisas e após votação por maioria absoluta.

O governo pretende eliminar a etapa específica da solicitação ao Congresso e obter aval da Constituição para bancar as despesas correntes bastando que os montantes estejam previstos e autorizados pelo Orçamento (que ainda precisará passar pelos parlamentares).

Analistas de contas públicas discutem há anos possíveis ajustes na regra de ouro. Entre os problemas da norma, costuma ser citado que ela não controlou a escalada da dívida pública nem foi capaz de manter um grande nível de investimentos do país.

Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), afirma que a norma tinha problemas, mas que a medida do governo equivale a acabar com um objetivo acertado. "De fato, é uma regra, hoje, muito ruim, mal calibrada e desenhada. Mas seu espírito era correto", afirmou.

Alertas sobre o risco de descumprimento da regra de ouro vinham sendo feitos pelo Tesouro Nacional desde, pelo menos, 2017. A partir de 2018, diversas medidas foram tomadas para aliviar os números.

Recursos extraordinários foram obtidos por meio da devolução ao Tesouro de empréstimos feitos anteriormente a bancos públicos, como o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas, desde o começo, a equipe econômica sabia que a fonte dessas receitas era finita e se esgotaria em algum momento já nos anos seguintes.

O limite foi estourado em 2019, quando o governo não conseguiu mais cumprir o estabelecido na regra e passou a pedir aval ao Congresso para o descumprimento. Caso não faça a solicitação, as autoridades do Executivo ficam sujeitas a crime de responsabilidade.

Para 2021, por exemplo, o governo incluiu em sua proposta de Orçamento uma projeção de R$ 453,7 bilhões em dívida para pagar despesas correntes. Após uso de superávit financeiro de anos anteriores, ainda restaram cerca de R$ 60 bilhões dependentes de aval do Congresso.

A regra de ouro também foi alvo de flexibilizações durante a pandemia. Em 2020, o Congresso autorizou a suspensão dessa e de outras normas fiscais para destravar recursos para o combate à Covid-19 e seus efeitos.

Em 2021, houve nova flexibilização. Um total de R$ 44 bilhões para o pagamento do auxílio emergencial foi retirado das regras fiscais pela chamada PEC Emergencial.

Por tudo isso, nos bastidores, membros da equipe econômica defendem que a regra de ouro já era tratada como uma norma fictícia, sendo descumprida anualmente, sempre com o aval do Congresso.

No entanto, uma flexibilização da regra de ouro representa uma perda de poder para os parlamentares. Anualmente, fica nas mãos dos congressistas autorizar ou não o governo a fazer esse gasto excedente, acima do limite da norma fiscal.

Como forma de pressão, para garantir que o pedido seja aprovado, o Executivo costuma vincular a regra a gastos com forte apelo político, como aposentadorias, salários e benefícios sociais. Caso o Congresso não aprove, essas despesas ficam bloqueadas.

Em defesa da PEC, integrantes da pasta afirmam que a verdadeira âncora da política fiscal é o teto de gastos, que proíbe o governo de ampliar gastos acima da inflação.

Porém, diante do esgotamento do espaço no teto, o governo propôs medidas que, na prática, driblam a norma. A proposta enviada ao Congresso estabelece o parcelamento de precatórios (dívidas da União reconhecidas pela Justiça) e a criação de um fundo que fará gastos sem contabilização no teto.

A PEC dos precatórios contém flexibilizações em regras fiscais para abrir caminho para a execução de despesas em ano eleitoral.

O parcelamento de precatórios dribla a regra do teto de gastos no ano que vem e abre espaço para outras despesas. A margem no Orçamento deve ser consumida pela ampliação do programa Bolsa Família, agora rebatizado de Auxílio Brasil.

ENTENDA AS PRINCIPAIS REGRAS FISCAIS DO PAÍS

Regra de ouro

Proíbe que o governo realize operações de crédito (emissão de títulos da dívida pública) que excedam o valor das suas despesas de capital (investimentos).

Objetivo é evitar que país pague despesas atuais (como salários de servidores e aposentadorias) deixando a fatura para as próximas gerações, para que direcione esses recursos a investimentos (como obras e construções de escolas e hospitais).

Teto de gastos

Limita por 20 anos o crescimento anual dos gastos do governo federal à variação da inflação.

Meta fiscal

Corresponde à diferença entre as receitas e despesas previstas pelo governo para o ano (tirando o gasto com juros). É o esforço que o governo promete fazer para evitar o crescimento da dívida pública.

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