A propaganda do terror - ISTOÉ
Durante entrega de unidades habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida, em 8 de abril, no Rio de Janeiro, a presidente Dilma Rousseff aproveitou o ensejo para afirmar que, caso fosse afastada do cargo, seu substituto – seja ele quem fosse – colocaria fim aos programas sociais implementados pelos petistas. “Quem pretende interromper meu mandato é justamente aquele tipo de pessoa que considera um erro do governo federal colocar recursos e fazer um programa como o Minha Casa Minha Vida”, disse a presidente, que tem aberto as portas do Palácio do Planalto para líderes de movimentos sociais repetirem, em discursos inflamados, a ladainha da perda de benefícios.
Políticos da sigla e sindicalistas da sigla também reforçaram esse discurso nas últimas semanas. Nos protestos pró-Dilma, carros de som foram estrategicamente posicionados e panfletos foram distribuídos para enfatizar que o “impeachment é um golpe contra os programas sociais.” Em uma tentativa desesperada de salvar o mandato da presidente, o governo está usando uma tática de terror que atinge principalmente as pessoas menos instruídas, fazendo-as acreditar que os avanços sociais vão regredir caso o PT deixe o Palácio do Planalto.
O medo de quem se fia na chantagem feita pelo partido do ex-presidente Lula é consequência da desinformação em massa de um País em que apenas 8% da população têm plena condição de compreender e de se expressar, segundo dados recentes da ONG Ação Educativa. Para inaugurar seu segundo mandato, Dilma escolheu como lema “Pátria Educadora”. Mas, ironicamente, a Educação foi a pasta que mais sofreu cortes nos últimos dois anos (leia quadro), o que fez piorar a desinformação da população. “Usar essa estratégia tem relação com a baixa qualidade da educação”, diz Lucia Hippolito, cientista política e historiadora. “Isso é dirigido às populações mais carentes e é perverso justamente por essa característica. O governo se aproveita da falta de perspectiva dessas pessoas para incutir o medo.”
A estratégia tem funcionado. O jardineiro Francisco Belo, 65 anos, e a empregada doméstica Maria Elenilda de Araújo, 41 anos, ambos moradores da cidade de Barueri, na Grande São Paulo, estão com medo de perder os benefícios conquistados nos últimos anos. Belo sempre votou em Dilma, mas diz preferir o ex-presidente Lula. Apesar de não ser um beneficiário do Bolsa Família, parentes e conhecidos recebem o dinheiro e estão aterrorizados. “Eles (a oposição ao PT) querem cortar”, diz Francisco. “Dá medo, né? Confiança em político ninguém tem mais.” Elenilda é analfabeta, tem duas filhas, uma de 22 anos e outra de 17, uma neta pequena e uma sobrinha com problemas no coração. Além de trabalhar como doméstica em uma casa no bairro nobre de Alphaville, ela usa o dinheiro que recebe do Bolsa Família para cuidados médicos emergenciais. Nascida em Pernambuco, ela afirma que a vida melhorou depois dos governos petistas. “Eu tenho medo de perder o Bolsa Família. Estou confusa, não sei o que pode ser melhor para o País hoje.”
Essa não é a primeira vez que o PT usa o “discurso do medo” para tentar salvar a pele de Dilma. Nas eleições de 2014, quando o ex-candidato ao Planalto Eduardo Campos (1965-2014) morreu e Marina Silva (Rede) assumiu a cabeça da chapa, disparando em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto, as propagandas do partido repetiam em seus longos minutos na TV e no rádio que os concorrentes, incluindo o senador Aécio Neves (PSDB), colocariam um fim aos programas sociais implementados pelo governo. “A ideia era dizer que Aécio iria zerar todos esses programas”, afirma David Fleischer, cientista político. Agora o alvo não é o tucano nem Marina Silva e, sim, o sucessor natural, o vice-presidente Michel Temer (PMDB). Em 2014, então candidato a presidência da República, Aécio Neves tentava se defender ao dizer que o Bolsa Família se tornaria lei para que nenhum outro governante pudesse usar o programa como campanha eleitoral. Temer disse algo parecido. Em áudio de 14 minutos vazado na semana passada, enviada, segundo Temer, por engano a parlamentares do PMDB, o vice-presidente afirma que os programas sociais vão continuar. “Sei que dizem de vez em quando que, se outrem assumir, vamos acabar com o Bolsa Família, vamos acabar com o Pronatec, vamos acabar com o Fies. Isso é falso. É mentiroso e fruto dessa política mais rasteira que tomou conta do País. Portanto, neste particular, quero dizer que nós deveremos manter estes programas e, até, se possível, revalorizá-los e ampliá-los”, disse o vice na mensagem. O analista político Gaudêncio Torquato acredita nas palavras do peemedebista. “Os programas estão dando certo, ninguém irá desfazê-los. Acho que no governo de Michel Temer eles serão aperfeiçoados, mas não diminuídos”, diz. Para ele, o PT sempre usou da ignorância das pessoas para conquistar o que deseja. “É preciso melhorar o padrão educacional justamente para quebrar essa mistificação das massas pela propaganda governamental”, afirma. “Não vejo possibilidade de os programas acabarem porque já estão no orçamento de 2016”, reforça Fleischer.
Além de fazer a propaganda do terror para tentar angariar o apoio da população, centrais sindicais estariam pagando R$ 30 para pessoas irem ao protesto encher as avenidas. Em um vídeo do YouTube, um homem assume que não sabe o motivo de estar na manifestação e que recebeu dinheiro para estar ali. “É um protesto da CUT? Não sei o que é. Me pagaram trinta conto e o moço da van me trouxe”, disse. Como ele, várias pessoas confessaram terem recebido dinheiro para ir à manifestação e reproduzir o discurso do “Não vai ter golpe”. “Vivemos um momento de formação da cultura política do Brasil. Há um problema de representação, há descrédito em relação aos partidos, mas não à política”, diz o historiador Marco Antonio Villa. O que Elenilda e Francisco têm em comum, após ficarem amedrontados com perda de seus benefícios? Nenhum dos dois confia mais em político algum e não sabem em quem votar nas próximas eleições.
ILUSTRAÇÃO: Rica Ramos
Fotos: João Castellano/Istoé