Governo aciona termelétricas e importa energia para driblar falta de chuva
Manoel Ventura / O GLOBO
BRASÍLIA — O governo decidiu acionar todas as usinas termelétricas que estejam disponíveis para garantir o suprimento de energia, diante de uma seca histórica na região das usinas hidrelétricas, além de importar eletricidade do Uruguai e da Argentina.
O Ministério de Minas e Energia (MME) garante que as medidas afastam o risco de racionamento, mas a conta de luz tende a ficar mais cara ao longo do ano.
Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) apontam que, no período entre setembro e abril, foi registrada a pior afluência para os reservatórios da região onde estão as hidrelétricas desde que isso começou a ser registrado, em 1931. Ou seja, foi o período em que menos entrou água das chuvas nas barragens em pelo menos 90 anos.
O resultado é que o nível dos reservatórios da região Sudeste/Centro-Oeste finalizou abril com o menor valor verificado para o mês desde 2015, quando o país também enfrentou crise hídrica severa. Essa é a principal região para o armazenamento de água do Sistema Interligado Nacional. O setor elétrico reúne essas duas regiões geográficas em uma só região operativa.
Uruguai e Argentina
No mês passado, os reservatórios dessa região estavam com 34,6% do volume total — em 2015, eram 33,5%. A preocupação é que a área entrará agora no chamado período seco, até novembro, com tendência de nova queda nos volumes dos reservatórios.
A previsão do governo é que os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste terminem maio com 32,3% da capacidade. Se confirmado, será o pior registro desde 2001, ano do racionamento de energia. A situação está melhor nas regiões Norte, Nordeste e Sul.
Para garantir o suprimento de energia e economizar água, o governo decidiu acionar todas as termelétricas que estão disponíveis para operação, de acordo com o MME.
O Brasil tem mais de cem dessas usinas integradas ao sistema, mas há questões como manutenção e acesso a combustível que precisam ser consideradas antes de acioná-las. Elas são movidas a gás natural, óleo, carvão e biomassa.
Desde fevereiro, a produção de energia por meio de termelétricas tem aumentado semanalmente.
Além de permitir o acionamento das termelétricas, o governo está importando energia da Argentina e do Uruguai desde o início do ano, mas há uma limitação técnica para isso: depende do quanto as linhas de transmissão que ligam o Brasil a esses países conseguem suportar.
Bandeira vermelha
Perguntado pelo GLOBO sobre o risco de racionamento, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, respondeu:
— Estamos trabalhando justamente, permanentemente, para que não haja essa hipótese.
Um dos reflexos da geração de energia por usinas termelétricas é a alta nas contas de luz. Num primeiro momento, isso ocorre com o acionamento de bandeiras tarifárias mais caras. Em maio, está em vigor a bandeira vermelha no patamar 1, que significa um adicional de R$ 4,16 para cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos.
A expectativa é que a bandeira vermelha 2 seja acionada em junho, com impacto de R$ 6,24 a cada 100kWh. E a tendência é que a bandeira vermelha permaneça em vigor até o fim do ano. Uma residência consome em média 150kWh por mês — ou seja, a cobrança extra ficaria na casa dos R$ 10 por mês.
O presidente da consultoria PSR, Luiz Augusto Barroso, lembra que as tarifas de energia das distribuidoras são formadas por uma série de componentes, como a variação do dólar, a indexação de contratos, a produção de energia renovável, além do despacho térmico.
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Uma parte do custo extra decorrente da geração de termelétricas acaba sendo repassada ao consumidor por meio das bandeiras tarifárias ao longo do ano. O que não é possível de ser coberto pelas bandeiras é levado para a tarifa nos reajustes anuais das distribuidoras.
— Nós chegamos com reservatórios mais baixos neste período do ano. Isso vai tornar o ano de 2021 naturalmente desafiador e complexo pela ótica da segurança do suprimento — disse Barroso.
O especialista afirma que a segurança do suprimento energético vai depender, além do acionamento das termelétricas, da disponibilidade de água para a geração de energia ao longo do ano. Ele lembra que há uma série de disputas relacionadas aos usos diversos das águas das bacias hidrográficas, como navegação, lazer e irrigação:
— A gente está preocupado, mas não está em pânico. A diferença entre os dois cenários será a disponibilidade de gás para as termelétricas, quantidade de chuvas e disponibilidade das águas.
O presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, diz que as medidas deveriam ter sido tomadas antes, para evitar que o nível dos reservatórios caísse tanto:
— Tudo que se coloca de despacho térmico economiza água, e isso deveria ter sido feito no segundo semestre do ano passado. A gente precisa de uma solução estrutural para esse problema, como tentar baratear o preço das termelétricas.