Idealização e ilusão - na Folha de SP
O brasileiro está perplexo diante dos fatos que escancaram as entranhas e histórias de várias de nossas instituições públicas e privadas. A vida em sociedade faz-se de exemplos e convivemos, faz tempo, com os de perversão e ganância de ícones representativos da sociedade.
Essa história vai além dos tempos atuais e conta como construímos nossa cultura social. Exemplos que afetam nossa capacidade de confiança e relacionamento.
O ciclo é perigoso e vicioso. Delata-se com o único objetivo de redução da própria pena, da compra da própria liberdade em troca da clausura de outrem, ato ainda mais hediondo. Ninguém é capaz de admitir seus próprios erros, mesmo em casos de réus primários, e confiar no princípio de equilíbrio da Justiça.
O direito é equilíbrio e, portanto, é a própria Justiça que está em risco. Queremos a lei do "olho por olho, dente por dente".
O judiciário é fundamental para o exercício da democracia, mas não é somente um poder de fato, pois deve exercer também seu papel primordial de serviço à sociedade. O exercício da Justiça deve estar longe da espetacularização e da sede de sangue da sociedade, deve procurar servir aos cidadãos com o bom senso para aplicar a lei e resguardar a sociedade. Será que somos capazes de dimensionar o trauma social que o país atravessa?
Precisamos viver o luto da morte da confiança no próximo, luto que não é de esquerda, de direita ou de qualquer ideologia. É muito mais profundo, é a perda do nosso ideal.
Ao idealizarmos o Brasil como nação maravilhosa, sem limites e cheia de potencial, também somos levados à ilusão do paraíso. A grande nação, mãe de todos nós. Queremos mamar eternamente em berço esplêndido. A realidade, porém, impõe-se e temos que lidar com os nossos limites.
Sofremos o desmame, somos jovens, imaturos; ainda precisamos viver e crescer na dor de uma democracia a ser conquistada a duras penas. Estamos perplexos, desmamados do seio protetor da nossa mãe. Perplexidade combina com paralisia, e paralisia significa inação, incapacidade de pensar.
Sintoma que se assemelha ao estresse que, quando aumenta a produção de cortisol no corpo, gera um pensamento nebuloso, incapaz de raciocinar clara e logicamente. Estamos estressados e angustiados diante da realidade.
Vamos "desidealizar" o Brasil!
O país não se sustentará na desconfiança dos pilares das delações premiadas. Independente do julgamento de mérito de tais medidas, precisamos dar um passo maior, mudar o sistema de relações entre o público e o privado.
Os homens e a sociedade são capazes e competentes somente quando a confiança se estabelece. Precisamos ter a capacidade de elaborar e construir novos caminhos, inspirados em virtudes como a prudência, a perseverança e a coragem.
Precisamos de comprometimento e de ação da sociedade para lutar por um caminho político-institucional moderno, descentralizado, não autoritário, não persecutório, de respeito à natureza, distributivo e ético. Essa é uma longa luta, dolorosa, que demandará a firmeza e a altivez necessárias para um novo e moderno pacto social.
LUIZ AUGUSTO CANDIOTA, economista formado pela PUC-RJ - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, foi diretor de política monetária do Banco Central (governo Lula)