Governo permite que servidores comissionados imponham sigilo ultrassecreto a dados públicos
Um decreto publicado nesta quinta-feira (24), no "Diário Oficial da União", permite que servidores comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas imponham sigilo ultrassecreto a dados públicos. O texto, assinado pelo presidente da República em exercício, Hamilton Mourão, altera as regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Antes, essa classificação dos documentos só podia ser feita pelo presidente e vice-presidente da República, ministros de Estado e autoridades equivalentes, além dos comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas no exterior.
A LAI, que entrou em vigor em 2012, criou mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa (física ou jurídica) o acesso às informações públicas dos órgãos e entidades, sem necessidade de apresentar motivo.
Informações classificadas como ultrassecretas podem se tornar públicas após 25 anos. Trata-se do grau máximo de sigilo. Além deste, há o grau secreto, que impõe 15 anos de sigilo, e o reservado, que protege a informação por 5 anos. Os demais documentos, sem nenhuma dessas classificações, devem ser disponibilizados ao público (veja, abaixo, o que dizia a regra anterior e o que diz a atual).
Os servidores comissionados que poderão gerenciar o carimbo do sigilo são os DAS (Direção e Assessoramento Superiores) 101.6 e 101.5, com salários de R$ 16.944,90 e R$ 13.623,39, respectivamente.
O G1 procurou a Casa Civil e a Controladoria-Geral da União (CGU), que analisa os recursos contra negativas de acesso a informação feitas por ministros, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
Crítica
Membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU, Manoel Galdino diz que o assunto não foi discutido na última reunião do conselho, em dezembro, com a presença do ministro Wagner Rosário – ele não assina o decreto.
“Pegou a gente de surpresa. Precisamos pedir esclarecimentos ao governo de quais são as razões. É problemático que uma medida de alteração do que é sigiloso seja feita sem discutir com a sociedade civil. Eles não tiveram transparência para alterar um decreto justamente sobre o tema", diz.
De acordo com a ata da reunião, Wagner Rosário, que foi mantido no comando da CGU pelo presidente Jair Bolsonaro, disse que seriam propostas algumas mudanças na Lei de Acesso à Informação, mas "nada que retire direitos". "São somente alguns prazos de recurso, e alguns outros detalhes, que serão apresentados na próxima reunião (do conselho, marcada para março)", segundo o resumo da declaração dele.
Galdino, que também é diretor-executivo da Transparência Brasil, avalia que o decreto do governo Bolsonaro pode aumentar o volume de informações classificadas como secretas e ultrassecretas.
Por outro lado, mais pessoas poderão ter acesso a informações que eventualmente precisem ser classificadas secretas e ultrassecretas. "[Isso] tem uma implicação de gestão dos riscos do governo.”
Como era e como ficou
Entenda de quem era competência da classificação de informações sigilosas e quais foram as mudanças decretadas por Mourão.
ANTES DO NOVO DECRETO
Art. 30. A classificação de informação é de competência:
I - no grau ultrassecreto, das seguintes autoridades:
a) Presidente da República;
b) Vice-Presidente da República;
c) Ministros de Estado e autoridades com as mesmas prerrogativas;
d) Comandantes da Marinha, do Exército, da Aeronáutica; e
e) Chefes de Missões Diplomáticas e Consulares permanentes no exterior;
II - no grau secreto, das autoridades referidas no inciso I do caput, dos titulares de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista; e
III - no grau reservado, das autoridades referidas nos incisos I e II do caput e das que exerçam funções de direção, comando ou chefia do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS, nível DAS 101.5 ou superior, e seus equivalentes.
§ 1º É vedada a delegação da competência de classificação nos graus de sigilo ultrassecreto ou secreto.
§ 2º O dirigente máximo do órgão ou entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia.
§ 3º É vedada a subdelegação da competência de que trata o § 2º.
§ 4º Os agentes públicos referidos no § 2º deverão dar ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no prazo de noventa dias.
§ 5º A classificação de informação no grau ultrassecreto pelas autoridades previstas nas alíneas “d” e “e” do inciso I do caput deverá ser ratificada pelo Ministro de Estado, no prazo de trinta dias.
§ 6º Enquanto não ratificada, a classificação de que trata o § 5º considera-se válida, para todos os efeitos legais.
DEPOIS DO NOVO DECRETO
"Art. 30. (...)
§ 1º É permitida a delegação da competência de classificação no grau ultrassecreto pelas autoridades a que se refere o inciso I do caput para ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 101.6 ou superior, ou de hierarquia equivalente, e para os dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, vedada a subdelegação.
§ 2º É permitida a delegação da competência de classificação no grau secreto pelas autoridades a que se referem os incisos I e II do caput para ocupantes de cargos em comissão do Grupo-DAS de nível 101.5 ou superior, ou de hierarquia equivalente, vedada a subdelegação.
§ 3º O dirigente máximo do órgão ou da entidade poderá delegar a competência para classificação no grau reservado a agente público que exerça função de direção, comando ou chefia, vedada a subdelegação.
§ 4º O agente público a que se refere o § 3º dará ciência do ato de classificação à autoridade delegante, no prazo de noventa dias. (...)" (NR)
Leia a íntegra do decreto. PORTAL G1