Fazendo a coisa pequena - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Pode parecer coisa pequena — isso de ambiente de negócios — mas consideremos o seguinte: o desenvolvimento depende da existência de boas empresas produzindo mercadorias, serviços e empregos; logo, facilitar a vida das empresas equivale a sustentar o desenvolvimento.
Óbvio. E se é óbvio, dirão, por que se ocupar desse tema?
No caso brasileiro, por uma razão muito simples: leis, normas, regras, além de uma certa cultura, são hostis ao empreendimento privado. E não deve ser por acaso que os países mais ricos e/ou que se desenvolvem mais depressa têm legislação e práticas que favorecem a vida de quem ganha dinheiro honestamente.
Aqui, a inflação está muito baixa, os juros estão caindo, o dólar comportado, há uma certa retomada, mas tente abrir uma empresa para participar dessa história. Você vai entender o que é burocracia e má vontade das autoridades.
O Banco Mundial pesquisa anualmente o ambiente de negócios de 190 países. O trabalho chama-se Fazendo Negócios, e o último ranking colocou o Brasil em 109º. Mas no item “Abertura de empresas”, o Brasil consegue ser pior que a nota média. Aparece em 140º. A pesquisa, considerando empresas privadas médias, em São Paulo e no Rio, avalia coisas assim: quanto custa abrir uma empresa; quantos procedimentos são necessários; quantos documentos; com quantas autoridades se lida; quanto tempo leva.
Outros itens em que o Brasil vai mal: obtenção de alvarás para funcionamento de qualquer coisa, posição 175ª; registro de propriedades, 137ª. Mas é excepcionalmente ruim a posição brasileira no quesito “Pagando impostos”. Reparem. Não se trata de carga tributária — quanto imposto se paga — mas o tempo de trabalho e os custos que uma empresa tem para manter em dia suas obrigações tributárias. O Brasil fica em 184º, em 190 países. Considerando que os seis últimos são puro desastre —como a Venezuela — pode-se dizer que o sistema tributário brasileiro é simplesmente o pior do mundo.
Por isso, foi muito importante que o presidente Bolsonaro abordasse o tema em Davos e firmasse uma meta ambiciosa: colocar o Brasil entre os 50 melhores países para se fazer negócios.
As dificuldades impostas às empresas têm duas principais causas. Uma é a burocracia governamental que, em todo lugar do mundo, tem uma tendência “natural” de estender suas amarras por toda parte. É o ambiente dos alvarás, da cópia xerox autenticada, da assinatura com firma reconhecida.
A segunda causa é uma cultura hostil ao empreendedor privado, ao cara que se arrisca para ganhar dinheiro corretamente. Essa cultura tem um viés que vem lá do mundo ibérico — nobres não trabalham, encostam-se no Estado — e um lado religioso, católico — lucro é quase um pecado.
Acrescentou-se de uns tempos para cá uma visão esquerdista, anticapital. Uma coisa às vezes implícita, muitas vezes escancarada. Os governos petistas, por exemplo, contestavam os estudos do Banco Mundial, considerando-os neoliberais, de gente que queria criar por aqui uma selva capitalista.
Claro, não precisam me dizer que o Estado tem que regular as atividades econômicas. Quando se fala de liberdade de empreender, não se trata de permitir rolos ou transporte sem normas em Rio das Pedras, as conhecidas vans clandestinas.
Aliás, essas atividades ilegais aparecem, entre outras coisas, dada a dificuldade de fazer a coisa certa. Tudo considerado, facilitar o ambiente de negócios exige um conjunto de pequenas ações direcionadas para diminuir as burocracias federais, estaduais e municipais, além de uma lenta e segura mudança de cultura.
Estudos do Banco Mundial confirmam que não se trata de coisa pequena. Ou melhor, que o conjunto de pequenas ações pode trazer enormes resultados, como dobrar a capacidade de crescimento do país. Hoje, se estima que o crescimento potencial do PIB brasileiro é de 2,5% ao ano. Com melhor ambiente de negócios, poderia chegar a 5% em médio prazo.
Faz diferença.
O GLOBO