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SOBRE PROGRAMAS DE GOVERNO, FACÇÕES E CONVERSA MOLE

Fortaleza e Rio de Janeiro estão separadas por 2.600 quilômetros. Mas, pelo menos em segurança pública, as duas cidades poderiam estar lado a lado, irmanadas na incapacidade do Estado de dar ao cidadão uma chance razoável de voltar para casa inteiro ao fim de cada dia. A capital do Ceará vive há duas semanas a forma aguda da doença crônica à qual os cariocas já se acostumaram.

Atribui-se o que está acontecendo no Ceará ao endurecimento das regras para o sistema carcerário, mudança causada pelo novo secretário de Administração Penitenciária, Luís Mauro Albuquerque — aliás, a secretaria também é nova, não existia até 1º de janeiro, quando tomou posse o governador reeleito do estado, o petista Camilo Santana.

A se levar a sério programas de governo , o de Camilo não traz uma linha sobre apertar o parafuso do sistema carcerário. Nada. Nas 13 diretrizes mestras, a segurança pública é citada de sobrevoo. As cadeias, nem isso. No tópico específico sobre segurança — cujo título, “Ceará pacífico”, ganhou um tom infeliz de ironia — há um bocado de “fortalecimento” e “aperfeiçoamento”. Dos 28 tópicos, um fala sobre os presídios: “Desenvolvimento de um modelo de gestão do sistema prisional com foco na ressocialização, respeito aos direitos humanos e inserção no mercado de trabalho”.

Certamente, é incapacidade minha compreender o que o maior rigor no trato com as facções do tráfico tem a ver com ressocialização, direitos humanos ou inserção no mercado. É certo, porém, que o programa de governo não gasta um pingo de tinta sobre como lidar com quase 21 mil detentos espremidos em menos de 12 mil vagas, nem como tornar melhor um sistema carcerário em que 79 dos 167 estabelecimentos prisionais sãoconsiderados ruins ou péssimos pelo Conselho Nacional de Justiça .

Dá a impressão de que a decisão supostamente causadora da escalada de violência no Ceará foi tomada de supetão. Como de chofre foi o envio, pelo governo federal, de tropas da Força Nacional para o estado. O tópico 27 do programa de governo de Camilo para a segurança, aliás, fala sobre articulação com o governo federal. Provavelmente, bater boca on-line com o presidente está dentro dessas ações de articulação.

A despeito dos governos e de suas bravatas, os 205 ataques em 46 cidades do Ceará até a terça-feira passada mostram duas coisas: que o Estado não tem o menor controle sobre o crime e que os bandidos têm plena consciência disso. Quem explode viadutos e torres de energia pode e deve ser enquadrado como terrorista, mas fazer apenas isso não tem efeito prático algum. É visível que os criminosos não perderão cinco minutos de sono, nem deixarão de espalhar pânico entre os cearenses, apenas porque o governo subiu um tantinho o tom de voz.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, as primeiras duas semanas do governo de Wilson Witzel tiveram:

  • Um policial morto em serviço com um tiro na cabeça;

  • Um Conselho de Segurança Pública que deveria durar seis meses e ficou em pé dez dias;

  • Um secretário de Administração Penitenciária trocado com dez dias no cargo;

  • Bandidos circulando com fuzis (e fazendo vídeo) na Linha Amarela, uma das principais vias expressas da cidade;

  • Um adolescente de 15 anos, que seria autista, segundo sua família, morto num suposto confronto com a polícia;

  • O governador fazendo flexões no Bope.

Nada de abate, nenhum narcoterrorista neutralizado. Witzel foi eleito com uma solitária bandeira, a da segurança pública — ou algum eleitor do Rio depositou suas esperanças nos conhecimentos econômicos, ou educacionais, ou agrícolas do governador? Até o momento, muito desfile, fanfarra, faixas, condecorações, continências. Ação de impacto, prisões em massa, apreensões expressivas de drogas ou armas? Zero.

É muito cedo para cobrar? Pode ser, mas, assim como quem tem fome, aqueles com uma metafórica arma apontada diariamente para a cabeça também têm pressa. E, nos últimos anos, a principal arma usada pelos governantes brasileiros para combater a criminalidade é a língua. Se Elvis estivesse vivo, diria: “a little less conversation, a little more action”.

GIAMPAOLO MORGADO BRAGA / ÉPOCA

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