Critério de decreto de Bolsonaro, estudo defende Estatuto do Desarmamento
Felipe Resk e Marco Antônio Carvalho, O Estado de S.Paulo
15 Janeiro 2019 | 17h22
SÃO PAULO - O Atlas da Violência de 2018, escolhido pelo governo Jair Bolsonaro para estabelecer o critério no decreto que flexibiliza o acesso a armas de fogo no País, defende o Estatuto do Desarmamento, de 2003. Segundo o estudo, a legislação seria responsável por interromper uma "verdadeira corrida armamentista" e ajudou a desacelerar a alta de homicídios no Brasil.
Nesta terça-feira, 15, Bolsonaro assinou decreto diminuindo as exigências para obter autorização da Polícia Federal para a posse de arma. Entre as novas regras, o governo federal estabeleceu a "presunção de veracidade" na hora de declarar a necessidade de ter uma arma de fogo. Seriam contemplados pela mudança todos os moradores de zona rural e também de cidades consideradas violentas, segundo o decreto.
A régua usada pela gestão Bolsonaro para definir quais Estados teriam "elevados índices de violência", no entanto, foi o Atlas da Violência de 2018 - estudo que mostra todos os Estados com taxa de homicídio acima de 10 por 100 mil habitantes e, portanto, contemplados pelo decreto. Na prática, o "ponto de corte" não exclui nenhuma unidade da Federação.
Produzido anualmente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Atlas recorre a dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, para calcular os índices de homicídio no Brasil. O estudo apresenta dois anos de defasagem - ou seja, a edição de 2018 é referente a dados de 2016.
Nela, os pesquisadores analisam a evolução de assassinatos no Brasil e elogiam os impactos do Estatuto do Desarmamento. "Entre 1980 e 2016 cerca de 910 mil pessoas foram mortas por perfuração de armas de fogo no País. Uma verdadeira corrida armamentista que vinha acontecendo desde meados dos anos 1980 só foi interrompida em 2003, quando foi sancionado o Estatuto do Desarmamento", diz o texto.
Segundo o Atlas, a proporção de homicídios cometidos por arma de fogo teria subido de cerca de 40% na década de 1980 para 71,1% em 2003. Desde então, o índice teria ficado estável. "Naturalmente, outros fatores têm de ser atacados para garantir um país com menos violência, porém, o controle da arma de fogo é central", afirma o estudo.
"De fato, existem inúmeros fatores a impulsionar a violência letal no País, como a profunda desigualdade econômica e social, a inoperância do sistema de segurança pública, a grande presença de mercados ilícitos e facções criminosas e o grande número de armas de fogo espalhadas pelo Brasil afora. Esses fatores continuam desafiando governos e sociedade e continuam pressionando a taxa de crimes letais, sobretudo no Norte e no Nordeste do país", diz o Atlas. "A questão aqui é que, não fosse essa legislação que impôs um controle responsável das armas de fogo, a taxa de homicídios seria ainda maior que a observada."
Coordenador do Atlas critica Bolsonaro
Coordenador do Atlas, o economista Daniel Cerqueira criticou nesta terça a decisão de Bolsonaro. "Não tem sentido ele usar essa taxa para fazer a mudança. É só uma desculpa para todo mundo ter acesso a arma fogo, coisa que ele defende há muito tempo", diz. "Se ele quisesse usar os dados do Atlas de forma correta, poderia dizer que o Estado onde a taxa de homicídio é maior que 10 por 100 mil foi onde os governos falharam no desenvolvimento de políticas de qualificação e valorização policial, na prevenção social."
Para ele, o decreto pode levar a uma "tragédia". "A miséria da segurança pública nasce quando as autoridades fazem política sem levar em consideração as evidências nacionais e internacionais sobre o tema e agem com base no achismo e na retórica vazia. Uma boa política atuaria de forma inversa, fomentando o controle ainda mais rigoroso das armas de fogo, cujo aumento de circulação está diretamente ligado ao crescimento de crimes."
No ato de assinatura do decreto, o presidente declarou que estaria cumprindo a vontade popular. "Como o povo soberanamente decidiu por ocasião do referendo de 2005, para lhes garantir esse legítimo direito à defesa, eu, como presidente, vou usar essa arma", disse Bolsonaro, empunhando uma caneta. "Essa é uma medida para que o cidadão de bem possa ter sua paz dentro de casa."