Da Coluna Gualter George, no O POVO deste domingo (13):

É muito ruim que caminhe para passar em branco, juridicamente falando, a confusão criada por deputados eleitos por São Paulo, à Câmara Federal e à Assembleia Legislativa daquele estado, ao se utilizarem das redes sociais para fazerem uma “denúncia” sem pé nem cabeça contra o governador cearense Camilo Santana, do PT. E, no caso, apenas por ser do PT.

O notório Kim Kataguiri puxou o grupo, distribuindo pelas redes sociais vídeo no qual denunciava (este foi o termo que utilizou numa entonação especial) que o caos estabelecido no Ceará era resultado de uma engenhosa estratégia política saída da cabeça do próprio Camilo. O objetivo, no final, seria desgastar o recém empossado presidente Jair Bolsonaro (PSL) e inviabilizar a votação de qualquer reforma constitucional no Congresso porque a decretação de intervenção federal seria inevitável. Isso tudo, em meio a um forte blá-blá-blá cujos detalhes pouparei do leitor, porque já tratados em outras análises, aqui mesmo do O POVO, ou, simplesmente, porque ridículos demais para merecerem ainda alguma apreciação.

Kim, que será deputado federal pelo DEM a partir de 1º de fevereiro, viu sua tese reproduzida, quase que na totalidade, pela futura colega de Câmara, só que do PSL, Joice Hasselmann, e por uma figura chamada de Artur do Val, popular nas redes sociais pelo canal “MamãeFalei”, uma das cabeças pensantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e que ocupará cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo, também na bancada do DEM. Ele é gaúcho, assim como Joice é catarinense, mas foi ao eleitor paulista que os dois encantaram, ao ponto de o cidadão de alcunha esquisita ter saído das urnas como o segundo mais votado entre todos os candidatos ao parlamento estadual.

De volta à questão inicial, chega a ser antipedagógico que inexista qualquer resposta no campo jurídico à postura das três futuras figuras públicas, no sentido da ocupação de mandatos populares, visto que notórios já o são, ignorando-se a irresponsabilidade que demonstraram na abordagem da crise que vivemos no Ceará. Uma “denúncia”, como trataram eles, sem qualquer prova, sem um lastro concreto sequer de sustentação, nenhum indício ou sinal de que havia base objetiva, mas, repito, apenas movida pelo interesse político de aproveitar o sofrimento do cearense para manter vivo o discurso que tenta responsabilizar um partido, o PT, por tudo de errado que aconteça no País. No caso específico, ironicamente, voltando-se contra um petista permanentemente submetido a pressões internas, exatamente pelo fato de adotar discurso e comportamento em desalinho frequente com as orientações de cúpula. Alvo errado, portanto.

Imaginar que a tentativa de retratação resolveu tudo, com um segundo vídeo no qual Kim Kataguiri admite que errou, diz ter sido procurado por gente do MBL cearense e por pelo menos um político, o senador eleito Luis Eduardo Girão (Pros), para mostrar-lhe que não era bem como havia dito etc, seria menosprezar o enorme estrago que a peça inicial causou. A verdade é que as palavras do jovem líder de direita têm forte penetração em setores da sociedade e sua tese viu-se espalhada de maneira grave. O recuo até atenuou, embora ande longe de reparar por completo o que a “denúncia” fomentou de incorreção acerca das causas reais da crise com a qual nos temos deparado desde os primeiros dias do novo ano.

Kataguari, Hasselmann e o tal de “MamãeFalei” estreiam muito mal na esfera pública institucional com o ato de irresponsabilidade que cometeram. Fazê-los responder por isso, inclusive, seria uma forma didática de mostrar que a nova vida na qual estão entrando oferece muito mais possibilidades do que dispunham antes, nos espaços de comunicação que ocuparam com êxito e lhes trouxe até aqui, embora não lhes garanta carta branca para injuriar as pessoas apenas porque são de partidos contrários e ideologia estranha à sua.

Aliás, se há uma coisa com a qual precisam se acostumar na vida parlamentar, a partir da posse em fevereiro, é com a convivência com o contraditório. Será parte indissociável do cotidiano novo que buscaram.