Juros negativos: a solução para a crise? ISTOE
No Japão e na Suécia, agora o investidor pode receber do banco menos do que aplicou. A dúvida é se a medida será capaz de fazer a economia acelerar
Mariana Queiroz Barboza ( O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. )
Num país com a maior taxa de juros reais do mundo como o Brasil – a Selic está em 14,25% ao ano –, ler que o Japão implementou juros negativos na terça-feira 16 pode soar absurdo. Enquanto por aqui os juros altos fazem parte do cenário recessivo, do outro lado do mundo a taxa negativa é uma solução para sair da crise. O primeiro impacto derrubou o valor do iene e das ações do setor financeiro, que vive de juros. Numa economia com deflação persistente, em que os consumidores adiam compras na expectativa de que no próximo mês elas estarão mais baratas, o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe espera que, ao cobrar dos bancos comerciais uma taxa para manter suas reservas adicionais junto à autoridade monetária, ele dará novo fôlego à economia e levará a inflação perto da meta de 2%. De acordo com essa lógica, só assim os bancos estarão dispostos a emprestar dinheiro para as famílias e os empresários e estimular uma demanda doméstica cada dia mais fraca.
INCERTEZA
A primeira reação das bolsas japonesas foi ruim, mas a implementação dos
juros negativos é considerada até por Janet Yellen, do Fed (abaixo)
Com essa medida, o Japão seguiu o mesmo caminho do Banco Central Europeu, que adotou a taxa negativa em 2014. Países como Suíça, Suécia e Dinamarca já aplicaram os juros negativos, e até a presidente do banco central americano (Fed), Janet Yellen, os considerou. Segundo Alexandre Espírito Santo, professor de Finanças do Ibmec/RJ e economista da Órama, isso é consequência da crise de 2008, quando empréstimos malsucedidos e sem garantia impuseram enorme prejuízo aos bancos. “Uma forma de reverter essa situação é pela política fiscal, mas esses governos já gastaram muito e estão endividados”, diz o professor. “Ao mesmo tempo, os bancos centrais fizeram uma política expansionista de incentivo ao crédito para aumentar o consumo e ela não funcionou nem na Europa nem no Japão.” Vislumbrando uma perspectiva negativa e questionados em relação à sua saúde financeira, os bancos estão com medo de calote – muitos estão expostos a empresas petrolíferas que agora amargam prejuízos por causa da queda no preço do barril da matéria-prima. E é justamente essa falta de confiança que sinaliza que a economia mundial pode estar pior do que se imagina.
No horizonte do Japão, a desaceleração global, sobretudo da China, que afeta as exportações, e o envelhecimento de sua população, que inibe a demanda doméstica, formam obstáculos para uma recuperação econômica duradoura. Nos últimos 30 anos, a produção japonesa se internacionalizou, enquanto poucos jovens entravam no mercado de trabalho e de consumo. A esse cenário, Gilmar Masiero, coordenador do Programa de Estudos Asiáticos da Universidade de São Paulo, faz uma ressalva. “Os ganhos de produtividade da economia japonesa continuam muito elevados”, diz. “A força de trabalho economicamente ativa está diminuindo e envelhecendo, e, mesmo assim, o país consegue ter um desempenho que outras economias em desenvolvimento não têm.” Segundo Masiero, flexibilizar as regras para a imigração é passo fundamental para o rejuvenescimento da força de trabalho. Enquanto isso não acontece, o país faz uma última tentativa de levar seus velhinhos às compras.
Fotos: REUTERS/Yuya Shino; AP Photo/Susan Walsh