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Frustração pós-eleitoral

A consolidação do quadro eleitoral demonstra como se dará o cenário de justificação da gestão atual. É claro que o programa a ser imposto é aquele que não foi realizado até agora, mas claramente esboçado. Prepara-se o país para submeter-se a reformas ainda mais draconianas, a começar pela reforma previdenciária, tirada da pauta devido à desagregação do governo Temer.

Por outro lado, a situação de brutalização das relações sociais será empurrada na base da crença de que as forças de defesa da classe trabalhadora estão rendidas e paralisadas. O que não é o caso. Na verdade, ocorreu um aumento exponencial da violência estatal, impondo uma situação de medo em relação aos processos de manifestação popular.

Nesse quadro, é claro que o jogo central encontra-se em tentar vender os mesmos gestores de sempre como o esteio da racionalidade contra a barbárie. O para Bolsonaro/Alckmin tenta reproduzir, em território nacional, o segundo turno francês entre Emmanuel Macron e a protofascista Marine Le Pen.

Essa era a única maneira de uma agenda liberal de desmonte e pauperização passar como tábua de salvação contra a pior das regressões sociais.

Por isso, é claro que Bolsonaro é apenas a melhor maneira de eleger aquele que passar com ele ao segundo turno. Mas o verdadeiro problema será o que poderíamos chamar de "frustração pós-eleitoral".

O que acontecerá ao Brasil quando ficar claro que as eleições não representarão novo acordo algum, conciliação alguma? Ele anda para se tornar um país ingovernável, já que nenhum vencedor contará com base popular real.

Não há ninguém capaz de assegurar alguma forma de pacto social. No máximo, vencedores assarão no interior de uma lógica do mal menor.

Um situação na qual o caráter ingovernável da nação ficar mais uma vez explícita será um convite a setores da sociedade civil radicalizarem ainda mais seu clamor pela volta do poder militar. É certo que veremos a recrudescência desta tendência mais uma vez.

No entanto, há de se insistir que o Brasil caminha também para uma outra alternativa, a saber, uma nova explosão de descontentamento popular. O problema é que nenhum setor progressista do campo política está preparado para isso —sequer está contando efetivamente com isso.

Previsões históricas têm valor nulo, ainda mais quando são feitas por representantes da classe intelectual. Mas é inegável a equação entre frustração, desidentificação e revolta.

Essa equação está presente de forma explícita na realidade nacional. Não se trata apenas de uma frustração com os descaminhos da economia e com o retorno da pobreza. Trata-se de algo mais profundo, a saber, uma desidentificação da população com seus representantes e atores políticos. Neste contexto, as explosões de revolta social são tão certas quanto o movimento dos astros.

O corpo social é sustentado por processos variados de identificação. Eles se dão por meio das figuras de líderes, mas também podem se dar através de instituições, ideias diretivas, partidos, entre outros. Nada disto está presente atualmente no Brasil.

Ao contrário, se alguém como Bolsonaro cresce é, entre outras razões, porque sua campanha permite uma integração sem necessidade de obedecer a estruturas que acabam por parecer atrativas a parcelas da juventude e dos estratos médios.

Assim, um corpo social em desidentificação generalizada, como o caso brasileiro, entra regularmente em convulsão, até que se constituam novas formas de incorporação. É com cenários dessa natureza que deveríamos estar lidando agora, pois eles devem nos ocupar nos próximos anos, para além da pantomima eleitoral que estamos a assistir.

Vladimir Safatle

Professor de filosofia da USP, autor de “O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo”.

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