A estratégia, o desengano e a imprudência de Lula reveladas em trecho de mais uma “Carta do Cárcere” ao Diretório do PT, lida por Gleisi
A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), leu — mal, note-se — uma carta que Lula endereçou ao Diretório Nacional do PT. O ex-ministro Alexandre Padilha publicou um vídeo em sua página no Facebook com um trecho do documento. Embora não se conheça seu inteiro teor, é possível perceber alguns elementos que apontam para a estratégia do partido e de sua maior liderança, que cumpre pena em Curitiba.
No trecho divulgado, o ex-presidente afirma deixar o Diretório Nacional “à vontade para tomar qualquer decisão” referente a 2018, destacando duas coisas, que seguem entre aspas:
1: [2018] é muito importante para o PT, para a esquerda e para a democracia”;
2: “para mim, eu quero a minha liberdade”.
Sem correr o risco da superinterpretação, há aí mais do que parece. Obviamente, Lula distingue, embora demonstre que estão imbricados, o destino do PT do seu próprio destino. Uma coisa, então, é a questão mais ampla: o que farão as forças de esquerda diante da realidade dada; outra, distinta, porém íntima, é a sua liberdade, que ganha um aspecto individual: “para mim, eu quero a minha liberdade”.
É evidente que Lula trabalha, no fundo, embora não seja agora a hora de dizê-lo, não ainda, com a possibilidade de não ser o candidato. Aliás, acenou com essa possibilidade no comício que fez no sindicato, antes da prisão. Diz ele deixar o Diretório Nacional “à vontade” para qualquer decisão. Isso, no partido, sempre foi lorota. O “à vontade” que existe por lá tem uma tradução: a legenda faz o que Lula determinar que faça. Mas que se note: não se trata de uma sujeição obtida com mão de ferro. Não se concebe nada diferente por ali.
Na impressionante entrevista concedida a Monica Bérgamo, na Folha, afirma José Dirceu:
“O país vai ter um longo ciclo de lutas. Mas primeiro é ganhar a eleição. No segundo turno, se as esquerdas se unirem, teremos força para isso [garantir a vitória].” E ele diz quem está no campo da esquerda: “Os candidatos do PSOL, do PC do B, o PT, o PDT e o PSB”.
Como se nota, Dirceu, o verdadeiro estrategista da política de alianças do PT e responsável por ter mudado, na década de 90, a rota isolacionista do PT trabalha com a ideia de uma frente. Ora, é evidente que não se chega a tal ponto se a candidatura de Lula for mantida, a despeito de sua inviabilidade. É claro que ele e o Diretório Nacional sabem que seu nome, se mantido, será vetado, em último caso, pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Não fará a troca
Aqui e ali, com efeito, comenta-se nos bastidores que talvez fosse mais fácil ao Supremo declarar a óbvia constitucionalidade do Artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê o cumprimento da pena só depois do trânsito em julgado, caso se tivesse a clareza de que Lula não é candidato. Nessa hipótese, ele poderia sair da cadeia — ao menos até o julgamento da questão pelo Superior Tribunal de Justiça. Na carta, o líder petista diz não aceitar essa suposta troca:
“Tem insinuações de que, se eu não for candidato, se eu não estiver no holofote, se eu não falar contra a condenação, será mais fácil a votação a meu favor. Querida Gleisi, a suprema corte não tem de me absolver porque sou candidato, porque vou ficar bonzinho. Ela tem de votar porque sou inocente e também para recuperar o papel constitucional, que é ser a garantia do comportamento (sic) da Constituição”. Nota: Gleisi leu “comportamento”, mas, muito provavelmente, Lula escreveu “CUMPRIMENTO”.
Há duas coisas a destacar em tal trecho:
a: Lula não condescende com nenhuma forma de acordo que não reconheça a sua inocência;
b: ele evidencia não ter entendido o que se vai votar na ADC e acaba dando um tiro no próprio pé.
Comento rapidamente o primeiro item: voltamos à essência da questão. Lula exige o reconhecimento de sua inocência, e já não há instância para isso. No máximo, o STJ poderia absolvê-lo em razão de alguma falha processual, o que não vai acontecer. Ademais, há os outros processos. Afirmar a sua inocência, em qualquer circunstância, é a base primeira do discurso petista, qualquer que seja o candidato.
Ao escrever o que escreve, Lula atrela o destino da ADC a seu próprio destino. Ora, o que se deveria fazer é uma votação em tese, não fulanizada, sobre matéria de natureza constitucional. Sua inocência ou culpa não estará em debate. Nem pode estar.
Ao levantar essa questão, o líder petista atenta contra o seu interesse objetivo, que deriva, sim, da votação da ADC, mas não estará formalmente em debate. REINALDO AZEVEDO