O incrível espectro partidário
*Almir Pazzianotto Pinto, O Estado de S.Paulo
20 Fevereiro 2018 | 03h17
O cadastro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela a existência de 39 partidos registrados e 76 em processo de fundação. Temos, por enquanto, 115 legendas com pretensões às delícias do poder, cada qual com proprietários, dirigentes e filiados virtuais.
Durante o Império (1822-1889) existiam dois partidos, o Liberal e o Conservador, ambos poderosos e integrados por homens cujo nome a História perpetua como exemplos de honestidade e de honradez. Na Primeira, na Segunda e na Terceira Repúblicas não teria sido muito diferente. Ao longo do regime militar (1964-1985) as atividades partidárias foram inibidas pela força de atos institucionais e complementares, que davam ao presidente da República a prerrogativa de dissolver partidos e controlar a fundação de entidades de caráter partidário. Assim nasceram a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o primeiro como instrumento de sustentação do governo e o segundo incumbido de lhe fazer oposição.
O site Wikipédia relaciona partidos registrados e em processo de regularização. Relativamente aos primeiros, encontramos singular coluna com a denominação “espectro político”, que nos permite avaliar o conteúdo programático de cada legenda. Desconheço as fontes de informações. Reconheço, porém, que os dados contêm mais acertos do que erros e retratam, de maneira simples e didática, o perfil dos dirigentes.
Seriam de centro o PMDB, o PSL, o PV, o PTB e o Avante. Do centro-esquerda à esquerda, o PDT, o PT e o PSB. De centro-direita, o PR, o PHS, o PRP, o Pros, o DEM. De centro-esquerda, o PMB, o PMN, o PPS, o SD, a Rede. De extrema esquerda, o PCO, o PSTU, o PCB. De direita, o PRTB, o PP e o Novo. De direita para a extrema direita, o PEN. De esquerda e extrema esquerda, o PSOL e o PCdoB. De centro-esquerda, o PSD. Posição singular é a do PSDB, apontado como versátil partido de centro, de centro-esquerda e de centro-direita.
Na realidade, os 35 partidos reconhecidos e os 76 em processo de organização são carecedores de consistência ideológica. As agremiações que se definem como de extrema esquerda, esquerda, direita e extrema direita, ao se submeterem ao teste das urnas, revelam maciça rejeição do eleitorado. Algumas não elegem um único deputado sequer.
O que temos no Poder Legislativo é a presença de bancadas evangélicas, da bancada ruralista, de sindicalistas, de políticos profissionais e da maioria fisiológica na busca imoral de nomeações para ministérios, de dinheiro e de empregos. Pessoas jurídicas de direito privado, as legendas agem como empresas a serviço do acionista controlador, como se dá com o PDT, o PTB, o PRTB e o PSC, cujos dirigentes são detentores do domínio absoluto da legenda. Poderiam estar registrados na Junta Comercial.
Os conceitos políticos de direita, centro e esquerda surgiram na Revolução Francesa, durante o período conhecido como Terror, conforme registra o historiador norte-americano Stanley Loomis (1922-1972) em Paris sob o Terror (Ed. Civil. Bras., 1965). Para o inglês Edward H. Carr (1892-1982), a distinção é fruto da antítese entre utopia e realidade, teoria e prática, radical e conservador, embora ressalve que seria imprudente presumir que partidos que carregam esses rótulos representem tais tendências. Nas palavras do historiador e jurista inglês, “o radical é necessariamente utópico e o conservador, realista” (Vinte Anos de Crise: 1919-1939, Ed. Universidade de Brasília, 1981). O filósofo espanhol Ortega Y Gasset afirmou que “ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil” (A Rebelião das Massas, Livro Ibero-Americano, 1959).
É inútil buscar agremiações definidas ideologicamente – observe-se a troca de legendas como garantia de reeleição. Existem, mas nunca alimentadas por ideias e consagradas à execução de programas permanentes. Sobrevivem financiadas pelo Tesouro Nacional, provedor do Fundo Partidário. Leiam o número declarado de filiados no site do TSE. O PMDB, cuja ideologia é o governismo a qualquer preço, aponta 2,4 milhões de filiados. O PT, em acentuada decadência, vem em segundo lugar, com 1,6 milhão. A seguir o PSDB, com 1,45 milhão. O PPS, 481 mil. O PCO, 2.930. Pela quantidade de inscritos, qualquer deles desenvolveria suas atividades mediante módicas contribuições mensais de R$ 10, o suficiente para devolver ao erário o dinheiro retirado da educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura.
Nas democracias, a rigor, bastariam dois partidos: situação e oposição. Entre os 35 registrados, não mais do que meia dúzia tem presença política. Os demais fazem número, à espera do momento pré-eleitoral para negociar a legenda, aspirar à eleição de um ou dois representantes, conseguir cargos e ganhar dinheiro.
As eleições de outubro confirmarão a fragilidade dos partidos e a falta de limites éticos dos dirigentes. Para conquistar a Presidência da República, governos estaduais, cadeiras na Câmara dos Deputados, no Senado e nas Assembleias Legislativas, todos os recursos serão válidos. O importante, como disse alguém, é juntar. O lema será: “para vencer faço acordo com o demônio”. Na composição das chapas de candidatos prevalecerão o requisito popularidade entre as classes C e D, a posição nas congregações evangélicas, o dinheiro que se dispõem a gastar com cabos eleitorais, dobradinhas, marqueteiros e demagogia, ao mentir e prometer.
O paradoxo brasileiro está em a força dos partidos resultar do vácuo ideológico. Nesse tópico o PMDB é insuperável. Quem desejar vencer dependerá dele como aliado. Por outro lado, com ele no Palácio do Planalto será impossível governar, tal a volúpia por ministérios, cargos, estatais, sociedades de economia mista.
*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)