Laudo falso contra Boulos afastou indecisos de Marçal e estimulou migração para Nunes antes do 1º turno, indica pesquisa
Por Bernardo Mello— Rio de Janeiro / O GLOBO
A divulgação de um laudo médico falso por Pablo Marçal (PRTB), a dois dias do primeiro turno de São Paulo, pode ter afastado eleitores indecisos e estimulado uma migração de votos para Ricardo Nunes (MDB) na corrida pela prefeitura. É o que sinaliza uma pesquisa qualitativa conduzida pelo Instituto Locomotiva.
Diferentemente de um levantamento de intenções de voto, os resultados da pesquisa qualitativa não são generalizáveis para todo o eleitorado, mas fornecem pistas de como diferentes grupos de eleitores podem ter reagido à disseminação da mensagem falsa para tentar associar, sem qualquer prova, Guilherme Boulos (PSOL) a um suposto uso de drogas às vésperas da votação. Segundo o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, grupos de eleitores que não tinham o voto totalmente cristalizado, e que vinham sendo acompanhados pelos pesquisadores, passaram a se referir ao laudo como motivo para não votar em Marçal.
Classificados como “eleitor frágil” pelo instituto, por admitirem a possibilidade de mudar a opção na urna, esses participantes vinham destacando em Marçal, antes da divulgação do conteúdo falso, o discurso voltado à “prosperidade” e com apelo à prática de esportes e à educação como “portas de saída” para a juventude.
Tática ‘desleal’
A pesquisa conduzida pelo Locomotiva constatou, no entanto, que a rapidez com que o laudo foi desmentido fez com que os participantes dos grupos manifestassem a percepção de que eram “enganados” pelo candidato do PRTB, ou entendessem a estratégia de Marçal como “vil” e “desleal” com um adversário.
— O “eleitor raiz” do Marçal valorizou o perfil anti-establishment, mas isso não tinha apelo para o “eleitor frágil”. O laudo falso fez com que surgisse uma dúvida ética sobre ele. Uma das mães nos grupos chegou a questionar: “como não vou repreender meu filho se ele falsificar um boletim?”. Outro eleitor lembrou a frase do Marçal de que “esporte molda o caráter”, e completou: “mas parece que não moldou o dele” — exemplifica Meirelles.
De acordo com Meirelles, houve sinalizações nos grupos de eleitores acompanhados pelo Locomotiva, após o episódio do laudo, de que parte dos que admitiam a chance de votar em Marçal acabou migrando para o prefeito Ricardo Nunes.
Houve também eleitores antes simpáticos ao candidato do PRTB que declararam ter optado por Tabata Amaral (PSB). A constatação surgiu a partir de interações com os moderadores dos grupos, que questionaram os participantes, após suas manifestações de voto, sobre outros candidatos que haviam atraído seu interesse antes da decisão final.
Ensaio de defesa
Meirelles observa, porém, que uma parcela específica dos eleitores “frágeis”, formada principalmente por homens que mostravam maior rejeição a todos os candidatos e indicavam a hipótese de anular o voto, ensaiaram uma defesa a Marçal. Para essa parcela, minoritária no levantamento, o candidato do PRTB “apenas repassou” o laudo, e não deveria ser responsabilizado por isso. Esses eleitores, no entanto, também reconheceram que o conteúdo divulgado por Marçal não era verdadeiro.
Marçal acabou fora do segundo turno da eleição de São Paulo após ficar atrás de Guilherme Boulos por apenas 56,8 mil votos, o equivalente a apenas 0,6% do total de eleitores paulistanos. O prefeito Ricardo Nunes, que avançou ao segundo turno na liderança contra Boulos, teve cerca de 82 mil votos a mais do que Marçal.