Eleição de SP e o futuro da política
Por Vera Magalhães / O GLOBO
Muito já se escreveu de prognóstico furado tentando projetar a política nacional a partir de pleitos municipais, que acontecem dois anos antes das disputas presidenciais. Nem é totalmente verdade que as campanhas nas cidades funcionem como plebiscito a respeito da avaliação do governo federal de turno nem o cômputo de prefeituras e assentos em câmaras municipais projetam maiores ou menores chances de partidos e campos político-ideológicos.
Mas se tem uma eleição que agrega esses componentes nacionais mais que as outras, e em 2024 mais que em qualquer ano, é a que acontece na capital paulista.
A centralidade que a disputa paulistana adquiriu se deve, em grande parte, aos eventos bizarros e à figura exótica de Pablo Marçal. Por isso mesmo, a depender da configuração do segundo turno e, depois, do resultado final das urnas, esse fenômeno tem maiores ou menores chances de se expandir para o resto do Brasil, com consequências variáveis para as lideranças políticas até aqui estabelecidas ou que estavam em construção.
A pesquisa Datafolha divulgada na tarde desta quinta-feira, horas antes do decisivo debate da Rede Globo, mostrou uma manutenção do empate triplo nas primeiras posições, mas com alterações de posições e mudanças nos estratos que levaram doses diferentes de expectativa e tensão às campanhas de Guilherme Boulos e Ricardo Nunes, os candidatos que estavam “marcados para duelar” antes do surgimento do ex-coach no roteiro.
Aliados de Nunes procuram demonstrar confiança na capacidade de conversão de votos da máquina, que seria mais efetiva no território municipal que no Estado, por exemplo (para fugir do efeito Rodrigo Garcia, que ficou em terceiro lugar em São Paulo em 2022 mesmo contando com mais prefeitos, maior coligação e tempo de TV). Mas o inventário de responsabilidades por alguém com tamanho poderio político-partidário chegar a três dias das eleições nessa situação periclitante já começou.
Os dedos apontam todos para Jair Bolsonaro e sua postura pusilânime, de nunca ter chegado a conclamar seus eleitores a votar no prefeito do MDB. A avaliação é que, Nunes vença ou perca, Bolsonaro será o grande derrotado: na primeira hipótese a vitória será creditada a Tarcísio de Freitas, que bancou o aliado sozinho; na segunda, Bolsonaro terá sido descartado pelo próprio rebanho de extrema-direita e surgirá um novo “mito”, na figura do influenciador.
À esquerda, a aparição de Boulos à frente numericamente em relação aos dois candidatos da direita foi lida no Palácio do Planalto como uma grande notícia, e, depois de se ausentar da campanha do pupilo nos últimos 15 dias, Lula deve dar um sprint final até domingo e, depois, desembarcar com tudo em São Paulo caso ele avance ao segundo turno.
A avaliação é que, ainda que o PT e a esquerda tenha desempenho ruim nas capitais e no Estado de São Paulo, uma vitória sobre dois bolsonaristas de uma vez na cidade mais importante do País equivaleria, aí sim, a uma chancela do governo Lula. Isso porque a discussão paulistana foi sempre pautada por temas ideológicos, o que faz com que, por aqui, a leitura possa extrapolar as fronteiras geográficas.
Mas o que essa medição de forças entre Lula e o bolsonarismo projeta para 2026? De cara, haverá uma corrida dos partidos para se reagruparem. Mesmo entre siglas que têm assento no ministério de Lula, haverá aqueles que vão se alvoroçar diante do apelo de candidatos-influencers, a la Marçal e Nikolas Ferreira.
Isso levará a política tradicional a mais um teste de resistência, depois da vitória de Bolsonaro em 2018 sem o “establishment”, que depois foi se chegando. Lula parece não estar olhando lá na frente, talvez convencido que o apelo pela reedição da frente única será o suficiente para conter a febre Marçal. É uma aposta alta, ainda mais com um adversário que saca uma arma diferente e mais heterodoxa a cada etapa da batalha.