Arma eleitoral: principal problema em sete das dez capitais, segurança vira tema central das campanhas
Por Caio Sartori, Paulo Assad, Karolini Bandeira e Patrik Camporez— Rio e Brasília/ O GLOBO
Às vésperas das eleições municipais, a segurança pública é citada como principal problema por moradores de sete das dez capitais mais populosas do país, segundo as pesquisas Quaest. Reflexo de fenômenos que assolam as grandes cidades, o medo da população vem servindo de munição no debate eleitoral — e a segurança, área na qual os municípios têm limitações para atuar, “invade” as campanhas por meio de promessas e trocas de farpas. Seis a cada dez candidatos nas 26 capitais falam em aumentar o poder da Guarda Municipal, por exemplo. Também pululam propostas voltadas para a vigilância tecnológica, enquanto a iluminação pública passou a ser menos mencionada.
Apesar de a Constituição dizer que a segurança pública é “direito e responsabilidade de todos”, a Carta dá mais responsabilidades aos governos estaduais, que controlam as polícias Civil e Militar. As prefeituras podem atuar por meio das Guardas, criadas para a “proteção de bens, serviços e instalações”, e também com medidas preventivas. No processo eleitoral, no entanto, o debate costuma ser genérico, sobretudo com sugestões mirabolantes de crescimento da Guarda.
Em um cenário de queda nos homicídios, o que chama a atenção é que as cidades mais violentas do país, segundo os dados do Atlas da Violência, não são necessariamente as que estão dizendo agora, nas pesquisas eleitorais, que têm a segurança como maior preocupação. Isso se dá, avalia o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, por causa da ascensão nos grandes centros urbanos de problemas como as cracolândias, o medo de que o roubo de celular resulte em crimes financeiros e a disseminação do crime organizado.
— De um lado, cracolândia; de outro, presença de facções e milícias tomando conta do território, regulando o que pode e o que não pode, fazendo com que muitas vezes a vida das pessoas seja mais determinada pelo crime do que pela lei — explica. — E, se tem cracolândia, tem mais celular furtado, golpes virtuais e financeiros.
Os maiores percentuais de inquietação com a segurança nas capitais, acima dos 40%, estão no Rio (60%), Salvador (51%), Vitória (47%) e Fortaleza (45%). Entre elas, apenas o município capixaba não está entre os mais populosos do Brasil. Em São Paulo, maior cidade do país, 32% dos entrevistados colocam o tema no topo dos problemas.
É no Centro paulistano, inclusive, que se forma a cracolândia mais conhecida, palco de diversas cenas de assaltos e incursões policiais nos últimos anos.
Medidas preventivas
A eleição carioca é exemplar da presença constante da segurança no debate. Apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, Alexandre Ramagem (PL) afirma que a prefeitura precisa ser “protagonista” se o Rio quiser reverter o problema. O prefeito Eduardo Paes (PSD), por sua vez, adota uma estratégia tripla: joga a responsabilidade para o estado, associa Ramagem ao governador Cláudio Castro (PL) e elenca medidas que adotou à frente do município para prevenir delitos.
— Se os candidatos quiserem fazer um debate sério, as prefeituras podem ter um papel gigantesco na área. O problema é que não estou vendo isso — avalia Renato Lima. — A segurança é, sim, uma atribuição do município. De forma subsidiária, claro. Mas a população está pouco preocupada com quem vai resolver: ela quer circular livremente, ter um atendimento decente.
Entre as possíveis formas de atuação, o sociólogo elenca medidas preventivas de planejamento urbano, como melhorias na iluminação das ruas, além da oferta de serviços públicos variados. Também aponta aspectos de controle do território, já que questões fundiárias, por exemplo, cabem às prefeituras. A Guarda Municipal, diz o pesquisador, deveria se concentrar mais no papel de fiscalizadora.
Ampliar, armar, transformar em polícia, instalar câmeras nas fardas e até criar uma Guarda específica para mulheres são propostas que compõem os programas de governo nas capitais, mostra o levantamento do GLOBO. Em todas elas, ao menos um candidato sugere alguma medida do tipo.
Além de promessas envolvendo a Guarda, um levantamento feito pelo projeto Vota Aí!, parceria da Unicamp com o Iesp-Uerj, comparou os programas de governo apresentados pelos candidatos a prefeito nesta eleição com os de 2020. Os dados indicam um crescimento de propostas ligadas a algum tipo de vigilância, como a instalação de câmeras, e menções a tecnologias controversas como reconhecimento facial e inteligência artificial — que saltaram 156% e 219%, respectivamente.
Segundo o pesquisador, evidências científicas indicam que políticas públicas de ocupação do espaço urbano, como melhora da iluminação e abertura de comércio, provocam efeitos positivos na redução da criminalidade. Os dados levantados pelo Vota Aí!, contudo, mostram uma diminuição de 11% nas menções à iluminação pública nos programas de governo de quatro anos para cá.
Renato Lima coloca o crime de estupro como um que a prefeitura tem meios para ajudar a evitar. Além da iluminação, medidas como mudança de local de pontos de ônibus e um monitoramento mais eficaz de praças, por exemplo, podem tornar o espaço público mais seguro para mulheres.
Câmeras e reconhecimento facial
Os dados revelados pelo levantamento do projeto Vota Aí! apontam uma alta de propostas de governo ligadas a instalação de câmeras de monitoramento e a tecnologias como reconhecimento facial e inteligência artificial, que estão mais concentradas entre candidatos de partidos como PSD, União, PP, PL e MDB.
Para Daniel Edler, do Núcleo de Estudos de Violência, da USP, grande parte dos gestores públicos investem em tecnologia como “bala de prata”.
— Não é só colocando um software, uma câmera, que vamos resolver problemas de décadas — diz Edler. — Isso vai desde tecnologias que têm um potencial positivo, como câmeras corporais, mas também tecnologias que são perigosas, como reconhecimento facial. No caso das câmeras corporais, por exemplo, se você comprar as câmeras, mas tiver procedimentos inadequados, modos de ativação e armazenamento inadequados, elas não vão surtir efeito nenhum.
O especialista ressalta ainda que as soluções tecnológicas apresentadas miram aumentar o policiamento e o controle, mas ignoram outras partes, como a melhoria da qualidade de vida. Quando se trata das tecnologias de reconhecimento facial, já usadas em cidades como São Paulo, Edler aponta que as controvérsias se estendem da base legal ao fenômeno conhecido como racismo algorítmico:
— Toda implementação da inteligência artificial pelas polícias tem se baseado na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, e o fato dela falar de exceções, como segurança pública. Cabe a interpretação se o que as prefeituras fazem se encaixa nisso. Tem também uma questão do que é feito com esse dado. A PM usa para acionar despacho com alertas automatizados de foragidos. Se for a Guarda Municipal, como é feito esse uso? Vai servir só para capturar as imagens e passar direto para a polícia?
O pesquisador aponta ainda que, por serem em geral treinados com bancos de dados de rostos brancos, os programas de reconhecimento facial têm maior dificuldade de distinguir entre faces negras: — E não só isso: há um problema de iluminação urbana de forma geral que atrapalha a análise dessas câmeras. Você precisaria ajustar iluminação, ter manutenção para garantir que lentes não estejam sujas. Quando você tem névoa, maresia, isso pode ser um problema. Tem uma série de fatores que diminuem a precisão.