Eleição municipal não pode ignorar agenda climática
Por Editorial / O GLOBO
Os efeitos das mudanças climáticas já fazem parte do dia a dia dos brasileiros há algum tempo. Em maio, o país se comoveu com o drama dos gaúchos ante a devastação sem precedentes causada por chuvas inclementes, que mataram mais de 180 moradores, deixaram cidades submersas, arrasaram a infraestrutura e impuseram prejuízos bilionários.
Nos últimos meses, em meio a secas severas e temperaturas abrasadoras, incêndios têm se alastrado, destruindo vegetações e causando transtornos à população. Seria de esperar que tal realidade fizesse das mudanças climáticas um dos principais temas da campanha municipal país afora. Não é o que acontece, porém.
Como mostra a série de reportagens do GLOBO “Cidades resilientes”, os candidatos a prefeito parecem passar ao largo da preocupação, apesar de medidas de adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global dizerem respeito sobretudo à esfera municipal. Todo candidato deveria tratar do assunto em suas propostas e planos de governo. Mas, com exceção do Sul, onde as cicatrizes das chuvas ainda se fazem presentes, a reportagem revela que a maior parte dos programas trata o tema de forma vaga, relegando a segundo plano medidas de longo prazo.
As promessas mais comuns dizem respeito a ações de Defesa Civil (sistemas de alerta), obras de drenagem, criação de parques ou plantio de árvores. Não que tais iniciativas sejam pouco importantes. Mas a emergência climática exige mais. Candidatos deveriam explicar com clareza suas políticas para evitar a ocupação de áreas suscetíveis a desastres (como encostas e margens de rios) e estratégias para reassentar famílias vulneráveis.
Mesmo impopulares, são providências incontornáveis para minimizar os efeitos das tragédias resultantes de eventos climáticos extremos, mais e mais frequentes.
Responsáveis pela ordenação do uso do solo, os municípios arcam com responsabilidade fundamental na prevenção de desastres. A tragédia no Rio Grande do Sul mostrou que a ocupação das cidades precisa ser repensada. Não há como impedir que rios transbordem ou encostas deslizem sob chuvas torrenciais, mas é possível reduzir os efeitos das tragédias planejando melhor a ocupação. Certas áreas, pelos riscos óbvios, não podem receber moradias.
Mas só 13% das cidades brasileiras têm plano específico para reduzir perigo de desastres, revelou levantamento da Associação de Pesquisa Iyaleta. Menos de um terço dispõe de plano diretor com prevenção a inundações. Sistemas de alerta estão em apenas 8%.
Num cenário de eventos extremos mais intensos, os candidatos deveriam apresentar propostas que contemplem reflorestamento de encostas, arborização de ruas, refrigeração dos transportes e de escolas, preparação das redes de saúde, com atenção sobretudo a crianças e idosos. Não se trata mais de projeção para o futuro. Em pleno inverno, cidades brasileiras têm registrado temperaturas acima dos 40 graus.
As campanhas não podem ser tão desconectadas da realidade. Não é improvável que chuvas torrenciais, ondas de calor, secas prolongadas e incêndios devastadores aconteçam nas próximas semanas, meses ou anos. As cidades precisam estar preparadas para dar respostas. Na campanha, os candidatos podem até fugir do tema. Mas, uma vez eleitos, certamente serão expostos a ele. Não poderão alegar surpresa.