Petistas pedem voto útil a quem até outro dia chamavam de gado
Tática arriscada, essa de pregar para os convertidos, no próprio cercadinho, e não buscar ampliar a base de apoio.
Se tivesse mantido meu título de eleitor no Paraná, eu não seria elegível para receber a propaganda virtual de Sergio Moro, postulante a uma vaga no Senado. Nem eu nem qualquer outro fã de Chico Buarque ou Caetano Veloso. O que significa que praticamente toda a minha geração está fora do foco do candidato.
Os marqueteiros do ex-juiz devem ter imaginado que suas propostas não encontrariam eco entre aqueles que se emocionam com Futuros amantes, quiçá, se amarão sem saber/Com o amor que eu um dia deixei pra você ou Gente é pra brilhar/Não pra morrer de fome.
Falando em fome, eu seria descartado também por ser vegetariano. Só carnívoros, supõem os estrategistas da campanha, se sensibilizariam com a pauta de combate à corrupção, reforço à segurança pública, defesa das liberdades individuais.
Sim, há uma correlação entre vegetarianismo/veganismo e questões éticas (que envolvem o sofrimento animal). Mas delimitar o público-alvo em função da dieta talvez só faça sentido para redes de comida kosher ou de churrascarias (mesmo assim, apenas as que desistiram de investir no bufê de saladas).
Tática arriscada, essa de pregar para os convertidos, no próprio cercadinho, e não buscar ampliar a base de apoio, tentar furar a bolha. Até porque gosto musical e fonte de proteína não definem ideologia.
Os petistas passaram os últimos meses xingando metade da população de fascista, nazista ou — quando se lembravam de que é preciso não perder a ternura jamais — de gado. A duas semanas do pleito, correm para laçar alguma rês desgarrada que lhes permita completar o plantel de 50% dos votos mais um — e retomar a posse do curralzinho do Alvorada. Para isso, trocaram o salto alto pela coação do “voto útil” (como se a utilidade do voto estivesse vinculada ao sucesso eleitoral do seu candidato).
Quando o jogo parecia ganho antes mesmo de começar, Lula esnobava empresários, atacava a classe média (“ostenta um padrão de vida acima do necessário”) e chamava a elite nacional de “escravista”. Seu partido não via necessidade de fazer uma nova “Carta ao povo brasileiro”, pedir perdão pelos inúmeros malfeitos ou aderir ao “mimimi do mercado”. Com Bolsonaro não foi muito diferente.
Agora, no sufoco para conseguir votos suficientes e chegar ao segundo turno (caso de Bolsonaro) ou para liquidar a fatura no primeiro (caso de Lula), os candidatos finalmente mandam às favas os escrúpulos (ou os preconceitos). Um ensaia críticas à desastrosa gestão de sua sucessora e se compromete com uma agenda ambiental mais consistente; outro reconhece que “aloprou” durante a pandemia e, tendo desdenhado 685 mil sepultamentos em solo nacional, vai ao funeral da rainha.
Quem Lula terá excluído dos seus anúncios? Consumidores de whey, proprietários de motocicletas, fãs de Sérgio Reis, Zezé Di Camargo, Gusttavo Lima? Quem Bolsonaro terá deixado de lado? Devotos do candomblé, mulheres jornalistas, ouvintes de Anitta e Pabllo Vittar?
Às vésperas da eleição, pode ser tarde demais para distribuir bolo nas calçadas. Ou, no caso de Moro, croquete de soja e coxinha de jaca.