Autocrítica tardia
Mais à vontade do que estava Jair Bolsonaro (PL) na mesma bancada três dias antes, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ensaiou uma rara sessão de autocrítica na entrevista que concedeu ao Jornal Nacional nesta quinta-feira (25).
O ex-presidente, que está à frente do rival na disputa pelo Palácio do Planalto em outubro, admitiu que houve corrupção na Petrobras e fez duas críticas a medidas de sua sucessora, Dilma Rousseff (PT), que ajudaram a construir a crise econômica mãe das condições para o impeachment de 2016.
Parece pouco, e é, mas não deixa de ser alvissareiro ver o cacique petista deixar de lado a infalibilidade quase papal que ele costuma despejar no seu discurso público.
Por evidente, não se espera que líderes políticos em campanha transformem suas falas em autos de fé infinitos. Mas a humildade de apontar erros e os caminhos a tomar para não repeti-los poderia ser feita com mais objetividade.
Sobre a corrupção, por exemplo, Lula repetiu o velho bordão de que em seu governo se investigava mais abertamente e, por isso, os problemas emergiam.
Justo, mas ele omite de forma conveniente que o assalto sistemático a fontes de financiamento operado na Petrobras fazia, assim como no antecessor mensalão, parte de um projeto de cristalização no poder de PT e aliados.
O equilibrismo se repete quando Lula fala da política de preços de energia e das desonerações de Dilma —escolha pessoal do então presidente para concorrer em 2010, ano em que o governo abriu os cofres públicos para uma gastança inaudita, que ajudou a deitar sementes para o desastre posterior.
Noves fora o fato de que o ministro da Fazenda de ambos os mandatários foi o mesmo por muito tempo —Guido Mantega.
Ressalvas feitas, Lula se saiu bem no cômputo geral da sabatina na Rede Globo. Fez acenos salutares ao eleitor de centro que ainda o vê como um radical em potencial, embora uma crítica mal colocada ao agronegócio tenha virado munição para rivais bolsonaristas.
Usou seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), como talismã nesse eleitorado. O petista foi além, fazendo uma inédita crítica, ainda que fugaz, a duas ditaduras comunistas com as quais sempre teve relações próximas: Cuba e China, comparadas ao Brasil de forma negativa em termos de práticas democráticas.
Mas faltou a Lula dizer como irá repactuar a relação com o Congresso, transformada numa simbiose aberrante pelas práticas orçamentárias de Bolsonaro e do centrão, e principalmente como será desarmada a bomba-relógio fiscal deixada pelo atual governo.
Para tanto, será preciso bem mais do que carisma e boas frases.