A livre escolha
Não há nenhuma razão para quem não é lulista votar no ex-presidente no primeiro turno, nem mesmo dizer nas pesquisas que votará nele. Mesmo que se queira impedir a reeleição de Bolsonaro, e essa é uma tarefa dos democratas, não é preciso apressar o passo, pois a eleição tem dois turnos exatamente para evitar que um presidente seja eleito pela minoria dos eleitores. O raciocínio vale para os antipetistas que escolherão Bolsonaro, apesar de tudo.
Não dá mais para mudar a legislação eleitoral, mas uma medida a ser estudada, menos traumática do que a implantação do parlamentarismo ou do semipresidencialismo, seria fazer um segundo turno com os três mais votados no primeiro, desde que o terceiro colocado tenha tido um número mínimo de votos, a ser definido na regulamentação. A proposta foi feita pelo então deputado federal Miro Teixeira, no inicio de 2013, mas não foi à frente.
Em 2018, Bolsonaro teve 46,03% dos votos, Fernando Haddad 29,28% e Ciro Gomes 12,47%. Se o número mínimo fosse 10% dos votos, Ciro estaria no segundo turno, se fosse 20%, não. Há quem entenda que o vencedor só seria eleito com 50% dos votos mais um, como é hoje. Outros, que quem tiver mais votos, leva. A possibilidade de ter três disputando o segundo turno, de qualquer maneira, seria uma maneira de quebrar a polarização, dar chance a que uma terceira via se apresentasse ao eleitor em situação de competitividade em uma nova eleição.
O voto útil poderia ser mais eficiente do que hoje, quando o eleitor só tem dois a escolher no segundo turno, mesmo que nenhum dos dois sirva a seus propósitos. Deixaríamos de escolher o “menos ruim”, como fazemos há tempos, para escolher “o melhor” dos três. Mas, como temos uma legislação eleitoral a ser obedecida, o primeiro turno pode ser um momento de exercer seu voto no candidato que mais o agrada, mesmo que seja minoritário, mesmo que não tenha chance de chegar ao segundo turno.
Antecipar o voto útil para o primeiro turno, como querem muitos petistas, para erradicar de vez a ameaça bolsonarista, é dar ao ex-presidente Lula um cheque em branco que ele não necessariamente merece para boa parte dos que, a esta altura, dizem que votarão nele. A campanha existe para isso, para que os candidatos se mostrem, para o bem ou para mal.
Bolsonaro, por exemplo, se mostra a cada dia mais reacionário, mais anacrônico, mais odiento, prepara um golpe antidemocrático a olhos vistos. Lula continua na frente das pesquisas, tem cometido muitos erros primários, que indicam não estar ele nos melhores momentos, mas tem a vantagem inigualável de ser um democrata, embora tão populista quanto Bolsonaro.
Mesmo que o PT não tenha retirado o termo “socialista” de seu regimentos, ou que demonstre ter uma inclinação esquerdista que impede de ter uma visão crítica de governos como os de Cuba ou Venezuela, ou que permita comparar a alemã Ângela Merkel com o protoditador sandinista Daniel Ortega, não houve nos governos petistas tentativas tão claras de golpe contra a democracia quanto agora.
A tendência autoritária dos dois lideres populistas é marca registrada desse tipo de político, seja de direita ou de esquerda. Mas Lula nunca abusou de seus poderes constitucionais como abusa Bolsonaro, nunca afrontou os poderes constitucionais. Mesmo no caso do indulto ao terrorista Cesare Batistti, naquela ocasião o Supremo Tribunal Federal dera ao presidente o direito de seguir sua decisão ou não, não foi uma afronta ao STF, apenas a explicitação de uma tendência ideológica que desculpa os crimes dos aliados. Lamentável, criticável, mas não golpista, como no caso do deputado federal (ainda?) Daniel Silveira.
Houve tentativas de controle social da mídia, rechaçadas pela opinião pública e pelo Congresso. Mas em nenhum momento se chegou tão perto da ruptura democrática quanto agora. Talvez no governo Dilma, quando a presidente, para evitar o impeachment, fez uma consulta aos militares para implantar o estado de emergência. Essa é outra diferença básica entre os dois: nunca os militares tentarão dar um golpe a favor de Lula. Resta-nos evitar que dêem o golpe a favor de Bolsonaro, antes ou depois da eleição.
Mesmo a terceira via tendo se desintegrado devido a interesses pessoais de seus membros, os candidatos estarão nas campanhas se mostrando ao público. Se João Doria conseguir ser homologado na convenção do PSDB, o que ainda não está garantido, terá tempo de televisão para reverter a rejeição que tem no eleitorado. Também Simone Tebet, que talvez seja a candidata do PMDB porque parece não ter chance de vencer, pode se impor ao seu próprio partido. Ciro Gomes, que continua em terceiro lugar com a saída de Moro, terá mais chance de vender suas idéias.
Não há sentido em votar em quem não se quer logo no primeiro turno, dando um voto de confiança a candidatos que não merecem. No segundo turno, se o candidato “menos ruim” tiver risco de perder para o que você considera “o pior”, vote no menos ruim. Se não houver esse risco, votar em branco, nulo ou se abster é uma opção perfeitamente válida.