Bolsonaro diz que fará auditoria privada nas urnas e adota tom de ameaça ao TSE
O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse nesta quinta-feira (5) que uma empresa contratada pelo PL irá fazer uma auditoria privada das eleições deste ano.
No momento em que amplia os questionamentos ao processo eleitoral e faz insinuações golpistas, Bolsonaro sugeriu, em tom de ameaça, que os resultados da análise podem complicar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) se a empresa constatar que é "impossível auditar o processo".
"[A empresa] pode daqui a 30, 40 dias, chegar à conclusão que, dada a documentação que tem na mão, dado o que já foi feito até o momento para melhor termos eleições livres de qualquer suspeita de ingerência externa, pode falar que é impossível auditar e não aceitar fazer o trabalho", disse Bolsonaro durante sua transmissão semanal nas redes sociais. "Olha a que ponto podemos chegar", afirmou.
Na sequência, Bolsonaro disse que "estamos vendo o TSE", além de os ministros da corte, "ficarem numa situação bastante complicada". Ele citou o presidente do tribunal, Edson Fachin, além de Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Ricardo Lewandowski.
O novo capítulo da ofensiva do presidente contra o sistema eleitoral foi feito no mesmo dia em que o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, pediu que o TSE divulgue os questionamentos feitos pelas Forças Armadas sobre o pleito deste ano.
Os militares têm cobrado mudanças no sistema eleitoral desde que foram convidados, no ano passado, a integrar a CTE (Comissão de Transparência das Eleições).
Em fevereiro, o tribunal publicou em seu site documento com respostas a uma série de questionamentos das Forças Armadas, mas segue sob sigilo um documento com cobranças feitas mais recentemente.
"Deixo claro, adianto ao TSE, essa auditoria não vai ser feita após as eleições. Uma vez contratada, a empresa começa a trabalhar, a empresa vai pedir ao TSE, com toda certeza, quantidade grande de informações. Ela vai pedir às Forças Armadas o trabalho que fez até agora", disse o presidente.
Bolsonaro não afirmou qual empresa será contratada para a auditoria. Disse apenas que se trata de firma que faz este serviço "no mundo todo". Afirmou ainda que pode "pedir socorro" a outros partidos para pagar a análise, "se ficar muito caro".
Atualmente, os partidos políticos já podem indicar técnicos para acompanhar as fases de especificação e de desenvolvimento de todos os programas de computador do TSE utilizados nas urnas eletrônicas e para o processo de votação.
Pelas normas, os códigos-fonte usados nas urnas precisam estar disponíveis para verificação da sociedade civil e partidos um ano antes da realização do primeiro turno.
Procurado, o advogado da campanha de Bolsonaro, o ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, disse desconhecer informações sobre a contratação da empresa mencionada pelo presidente. A assessoria do PL afirmou, por sua vez, não ter detalhes sobre o tema.
"É o momento para o TSE mostrar para o mundo, a partir dessa empresa que vai fazer auditoria, que temos sistema mais confiável no mundo no tocante às eleições", declarou o presidente.
Ele afirmou duas vezes durante a transmissão que não deseja dar um golpe. "Ninguém quer dar golpe."
"Alguns dizem que quero dar golpe. Como quero dar golpe se já sou presidente?"
Em tom irônico, Bolsonaro afirmou que o trabalho da auditoria externa pode garantir a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas ao Planalto.
"A gente vê no mundo, nas republiquetas, o chefe do Executivo conspirar para ficar no poder, cooptar órgãos para fraudar eleições. Aqui é exatamente o contrário", disse Bolsonaro.
"Já que pesquisas dizem que o senhor Lula tem 40%, o Lula vai ganhar, quero garantir a eleição do Lula com esse processo aqui [de auditoria]."
"Ninguém precisa fazer campanha pro Lula, não. Não precisa, por exemplo, uma autoridade ou outra, que a gente vê acontecendo, ficar desmonetizando páginas de pessoa que nos apoiam, retirando páginas de pessoas que nos apoiam, ameaçando ou prendendo pessoas que nos apoiam", afirmou ainda, referindo-se a decisões do TSE e STF que atingiram seus apoiadores.
O TSE vem adotando uma série de medidas para ampliar a transparência do sistema eletrônico de votação na tentativa de esvaziar o discurso do chefe do Executivo de que as urnas são passíveis de fraudes.
Em mais de uma ocasião, Bolsonaro cobrou que o TSE aceite as sugestões das Forças Armadas para o processo eleitoral. Uma das sugestões, segundo ele, seria que os militares acompanhassem a apuração final dos votos, no dia das eleições.
Ainda na mesma transmissão, Bolsonaro e o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno, negaram que o diretor da CIA, William Burns, disse a autoridades do governo brasileiro que o presidente não deveria questionar as eleições.
"Seria extremamente deselegante um chefe de agência como a CIA ir a outro país, vir ao Brasil, para dar recado. A gente vê que é uma mentira, uma fake news", declarou.
O presidente disse que a notícia sobre a cobrança do governo dos EUA pode ser uma forma de "criar narrativa plantada fora do Brasil" no momento em que a Defesa cobra a divulgação de seus questionamentos sobre as urnas.
"Já é um tempo bastante longo que o TSE não se manifesta no tocante a isso [os questionamentos das Forças Armadas]", afirmou.
Bolsonaro já insinuou que ele mesmo foi chamado ao debate sobre as eleições com o convite feito pelo TSE aos militares.
"Eles [TSE] convidaram as Forças Armadas a participarem do processo eleitoral. Será que esqueceram que o chefe supremo das Forças Armadas se chama Bolsonaro?", disse o presidente no último dia 27, ao promover um evento oficial no Planalto com ataques ao STF.
No mesmo evento, o presidente voltou a desacreditar o sistema eleitoral. "Não pense que uma possível suspeição da eleição vai ser apenas no voto do presidente. Vai entrar no Senado, Câmara, se tiver, obviamente, algo de anormal", afirmou o presidente a parlamentares que acompanhavam o ato.
A tensão entre os Poderes escalou recentemente após Bolsonaro conceder perdão de pena ao deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo STF a 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicial fechado.
Ainda foi agravada por falas do ministro Luís Roberto Barroso sobre as Forças Armadas, rebatidas pelo Ministério da Defesa.
Os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral são uma rotina em seu governo. No passado, por exemplo, afirmou diversas vezes sem apresentar provas que havia vencido as eleições de 2018 no primeiro turno.
A crise institucional de 2021, patrocinada por Bolsonaro, teve início quando o presidente disse que as eleições de 2022 somente seriam realizadas com a implementação do sistema do voto impresso —apesar de essa proposta já ter sido derrubada pela Câmara.
No ano passado, ele também fez uma transmissão ao vivo para apresentar supostas provas que tinha contra a confiabilidade das urnas e que o pleito havia sido fraudado. No entanto, apenas levou teorias que circulam há anos na internet, sem comprovação.
Naquela live recheada de mentiras, Bolsonaro divulgou documentos de uma investigação sigilosa aberta em 2018 sobre um ataque hacker no sistema do TSE.
Por causa disso, Bolsonaro virou alvo de investigação. A delegada Denisse Ribeiro, da Polícia Federal, já enviou ao ministro Alexandre de Moraes, do STF, a conclusão segundo a qual ocorreu crime na atuação do presidente naquele caso.
Mesmo sem o indiciamento formal, essa foi a primeira vez que a PF imputa crime ao presidente no âmbito das investigações que tramitam sob a relatoria de Moraes.