Presidenciáveis abrem guerra pelo voto nordestino
Marcos Strecker e Eudes Lima / ISTOÉ
Ganhar a eleição significa conquistar o Nordeste. Segundo maior colégio eleitoral do País, com mais de 40 milhões de eleitores, a região desempenha um papel-chave no pleito. Isso favorece o atual líder das sondagens, Lula, que sempre soube capitalizar politicamente sua alcunha de “filho de Garanhuns”. O petista bateu os 60% de votos na região em 2002 (nunca um político tinha alcançado essa marca em nenhuma região) e surfa nos votos nordestinos desde que criou o Bolsa Família nos anos 2000, abafando o escândalo do Mensalão (lá, o programa social ainda é responsável pela maior parte do Orçamento de várias cidades). Depois, ele ainda lançou as obras de transposição do rio São Francisco, o que ajudou a sedimentar sua figura no imaginário popular. Além de garantir um apoio sólido nos 13 anos petistas, o Nordeste também foi importante para garantir a candidatura Fernando Haddad nas eleições de 2018 (foi a única região em que o PT derrotou Bolsonaro no segundo turno, com 69,7% dos votos válidos). Mesmo na sua pior fase, o PT tem quatro governadores locais (Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte), além de dois aliados próximos do PSB em Pernambuco e no Maranhão.
Bolsonaro sabe que depende do Nordeste para ganhar um segundo mandato, mas continua agindo de modo errático. Precisa superar o prejuízo de imagem com o desdém que mostrou nas enchentes históricas na Bahia, em dezembro. Na oportunidade, preferiu continuar se divertindo em Santa Catarina. Agora, ele planeja mergulhar na região e escolheu exatamente uma das bandeira de Lula, as obras de transposição das águas do Rio São Francisco, no Rio Grande do Norte, como primeiro evento, no próximo dia 9. É apenas a primeira de uma série de inaugurações na região. Mas a principal aposta é exatamente outro símbolo da era petista, o Bolsa Família, agora rebatizado de Auxílio Brasil. Essa tentativa eleitoreira de cooptar o programa social acendeu o alarme no PT no início, mas hoje parece um risco controlado.
O presidente não consegue fortalecer laços políticos, apesar de ter se aliado a caciques locais do Centrão. E já enfrenta defecções. O presidente do PP em Pernambuco, deputado Eduardo Fonte, não esconde que apoiará Lula, mesmo que isso contrarie os líderes do seu partido: o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira. Ambos estão à frente da campanha de reeleição de Bolsonaro. Apoiar o chefe do Executivo é um mau negócio pela baixa popularidade dele entre os nordestinos. Segundo pesquisa SENSUS/ISTOÉ realizada em novembro, a pior avaliação do governo Bolsonaro é justamente no Nordeste (17,6%), contra uma média nacional de 23,5%. No voto estimulado, o presidente também tem lá a sua pior performance (17,4%), com uma média nacional de 24,2%. É o contrário do que acontece com Lula. O petista tem seu maior índice de intenção de votos na região (57,3%), para uma média nacional de 42,6%.
Ciro, Doria e Moro
O cientista político Adriano Oliveira considera que os bons números de Lula refletem a percepção ainda presente de que o petista levou o Estado para uma população que via o governo ausente. As principais demandas do nordestino são “renda, consumo e emprego”, avalia. Ele pensa que hoje Ciro Gomes seria o candidato natural da região, não fosse a volta de Lula à corrida eleitoral. Mas o pedetista, cuja família tem forte base eleitoral no Ceará, tem perdido espaço nas articulações com outros partidos. O acordo dele com o PSB era visto como favas contadas especialmente em Pernambuco, estado em que as famílias Campos e Arraes têm tradição na política. Mas o partido avançou em suas negociações com Lula, deixando o apoio a Ciro pelo caminho.
A busca estratégica pelo voto nordestino também mobiliza os outros pré-candidatos. Filho de pai baiano, João Doria, diz que iniciará sua campanha pelo estado, provavelmente no início de abril. O tucano tem dito que há um componente emocional, mas também precisa cair nas graças dos eleitores locais. Durante as prévias do PSDB, Doria visitou vários estados e falou sobre a obra da Transnordestina, uma ferrovia que ligará os portos de Pécem (Ceará) e Suape (Pernambuco). “A obra mais cara que existe no governo é obra parada, não realizada”, disse o presidenciável, prometendo solução. Doria ainda afirmou que “o Nordeste não precisa de piedade. Precisa é de oportunidade, respeito e desenvolvimento”.
Com menos vivência na política, o ex-juiz Sergio Moro escalou o deputado Julian Lemos (PSL) para ciceronear sua visita à Paraíba, no início de janeiro. Lemos foi o coordenador da campanha de Bolsonaro no Nordeste, em 2018, mas hoje é seu desafeto. Em fevereiro, Moro irá ao Ceará, Sergipe e Piauí. Habituado à privacidade dos gabinetes, Moro já tomou um banho de povo e vestiu um tradicional chapéu de coro em visita à região. Só falta repetir o gesto do ex-presidente Fernando Henrique nos anos 1990, que teve um batismo de fogo ao comer uma tradicional buchada de bode (na época, o tucano se associou aos políticos da região para poder governar).
Os eleitores nordestinos têm ainda uma influência que reflete em outras regiões. Os migrantes espalhados por todo o País mantêm uma ligação sentimental muito forte com sua origem e familiares que ficaram. Realizações que impactam na região mobilizam os votos dos parentes que, por vezes, sonham em voltar a morar na terra natal. Por enquanto, Lula está ganhando a luta pelos corações e mentes dos conterrâneos. O petista se dá bem porque conhece os códigos seculares da região, sabe negociar com os coronéis (de todos os quadrantes, como se viu) e tem facilidade de comunicação com as camadas populares (habilidade que Bolsonaro também tem, mas não consegue exercer lá). O PT soube atrair as elites locais por meio de coalizões e distribuição de verbas. Essa vantagem competitiva precisará ser superada por qualquer um que queira se instalar no Planalto no próximo ano.